Pedro Duarte de Andrade
1. Introdução
O título deste ensaio que ora se apresenta fala de "dois tempos da literatura" e pretende explicá-los citando dois nomes, os de Antonio Candido e de Silviano Santiago. A envergadura de ambos os críticos literários dispensa maiores apresentações. De pronto, no entanto, valeria indicar o verdadeiro significado deste título. Não se trata, aqui, simplesmente de dois períodos cronológicos, o primeiro referindo-se a Antonio Candido, e o segundo, a Silviano Santiago. Se é verdade que podemos demarcar, através desses dois nomes, grosso modo , dois períodos da crítica literária brasileira, um que cobre as décadas de 40, 50, 60 e 70, com Candido, e outro que se inaugura a partir dos anos 70, com Silviano, não é desses dois tempos que estamos falando. Até porque uma tal demarcação exigiria maiores nuanças e a entrada, neste panorama, de outros nomes.
Sem ignorar que essa periodização histórico-cronológica marca a inserção mais forte desses dois nomes no contexto da cultura brasileira, queremos aqui sugerir que os "dois tempos da literatura" que eles podem simbolizar são, antes de mais nada, duas concepções de tempo distintas, dois pensamentos divergentes acerca de como encarar a história. E, mais do que isso, gostaríamos de refletir um pouco sobre a maneira como essas diferenças nas concepções de tempo e história de cada um determina, por conseqüência, duas abordagens também distintas da literatura e, sobretudo, da tarefa historicizante da crítica literária.
Devemos, ainda, referir-nos ao último termo do título: Modernismo. É que, neste ensaio, o foco de nossa atenção deve recair sobre o Modernismo. O que nos interessa, portanto, é, através deste recorte específico, desenvolver uma comparação entre as maneiras pelas quais Antonio Candido e Silviano Santiago analisam o Modernismo. A nossa hipótese de trabalho é que as análises bem distintas de cada um se explicam, de maneira importante embora não exclusiva, pelas distintas visões que cada um tem do tempo e da história. Ao estudá-las com algum cuidado, portanto, podemos iluminar um pouco aqueles elementos teóricos que sustentam essas duas visadas do Modernismo.
Cabe ressaltar, aqui, que nem de longe nos propomos a uma pesquisa exaustiva do tema nas obras dos dois autores, o que não corresponderia ao escopo deste trabalho. Tendo isso em vista, elegemos um ensaio de cada um no qual, a nosso ver, o assunto é desenvolvido privilegiadamente. De Antonio Candido, faremos uso, sobretudo, de "Literatura e cultura de 1900 a 1945" , de 1965, presente em seu livro Literatura e sociedade . Já de Silviano Santiago, ficaremos, especialmente, em seu ensaio "Fechado para balanço", de 1982, que consta em Nas malhas da letra .
É claro, então, que nosso objetivo central nessas análises não é dar uma visão "objetiva" ou mesmo exaustiva acerca do tema, mas sim colocá-lo em pauta perante o nosso presente, perante as nossas preocupações e necessidades. Assim, se por vezes caricaturamos um ou dois traços dos autores estudados ou se nos equivocamos aqui e ali em opiniões sobre suas reflexões, isso se deve ao caráter experimental deste ensaio, que consiste em uma tentativa, de fato, para que coloquemos algumas preocupações atuais. O que desejamos, por fim, ao levantar a tentativa dessa comparação, é levar a termo uma outra discussão: que tipo de relação podemos nós, agora, no início do século XXI, estabelecer com o Modernismo - e com a história da literatura de um modo mais geral? Trazendo à baila um pouco do modo como dois de nossos maiores críticos literários tentaram responder, cada um a seu modo e em uma determinada época, a esta questão, quem sabe nós mesmos não podemos obter algumas indicações sobre como pensar o mesmo problema?
2. Antonio Candido e a modernidade (uma visita a Octavio Paz)
A abordagem de Antonio Candido do Modernismo passa por um crivo que ele mesmo expõe na primeira linha de seu ensaio "Literatura e cultura de 1900 a 1945" , de 1965. É, de fato, como ele mesmo diz, uma lei, uma lei que determina sua operação compreensiva. Ela é assim enunciada por Candido: "se fosse possível estabelecer uma lei de evolução da nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que toda ela se rege pela dialética do localismo e do cosmopolistismo" 2 . A compreensão do modo pelo qual ele irá proceder na sua avaliação do Modernismo, portanto, passa, sobretudo, por dois pontos: o que é esta "evolução" e como funciona esta "dialética".
A idéia de evolução, sabe-se bem, nada possui de ingênua. Foi ela que serviu de justificativa para todo o modelo de temporalidade instaurado pela modernidade. Foi ela, então, que, ao se assimilar à noção de progresso, prescreveu uma temporalidade cujo privilégio era concedido ao futuro. Determinava-se, assim, uma linearidade histórica através da qual o passado era sempre inferior ao futuro. A estrutura tácita de fundação desta historicidade é uma hierarquização do tempo. O passado deixa de estar apenas antes do futuro para ser inferior a ele. O período anterior da história é sempre um momento em que ainda não se realizou aquilo que, no momento seguinte, se cumprida a marcha no tempo, seria realizado. Em linhas gerais, essas características sustentaram não apenas o Modernismo cá em bandas nacionais, mas também todas as vanguardas artísticas do início do século XX. Ao que parece, a consideração de Antonio Cândido acerca do Modernismo se dá, ainda, no âmbito de uma compreensão do tempo que foi também a daquele movimento, isto é, a compreensão moderna.
A importância do progresso - da "evolução" - para o modo de ser da modernidade pode ser mesurada pela seguinte frase, proferida por Octavio Paz em seu discurso de agradecimento pelo Prêmio Nobel de Literatura, em 1990: a "idéia de modernidade é um sub-produto da concepção de história como um processo, sucessivo e irrepetível" 3 . A modernidade é aí entendida como "subproduto" de uma determinada concepção de história, a saber, da história como um processo que é o progresso. "O sol da história se chama futuro e o nome do movimento para o futuro é Progresso" 4 , afirma Paz. Essa compreensão do movimento histórico, pela qual ele se apresenta como progresso, isto é, como avançar contínuo na direção de um tempo melhor, determinou uma maneira ímpar de se relacionar com o passado, a qual, a nosso ver, marca ainda a abordagem literária de Antonio Candido. Octavio Paz explica assim esta maneira moderna de se relacionar com o passado.
Os povos tradicionalistas vivem imersos em um passado sem interrogá-lo; em vez de ter consciência de suas tradições, vivem com elas e nelas. Aquele que sabe ser pertencente a uma tradição implicitamente já se sabe diferente dela, e esse saber leva-o, tarde ou cedo, a interrogá-la e, às vezes, a negá-la. A crítica da tradição se inicia como consciência de pertencer a uma tradição. Nosso tempo se distingue de outras épocas e sociedades pela imagem que fazemos do transcorrer: nossa consciência da história. Surge agora mais claramente o significado do que chamamos a tradição moderna : é uma expressão de nossa consciência histórica. 5
O progresso, então, como contrapartida necessária da ênfase que os modernos colocaram no futuro, é a conseqüência da consciência histórica conquistada. Deixando de viver imersos em um tempo que não mudava, tal qual os primitivos, os modernos, como os cristãos, descobriram a tradição. Inseridos em um tempo sucessível e irrepetível, os homens modernos chegaram ao ponto, determinado por Paz, de interrogar e negar a tradição. A tão famosa consciência histórica, que já se tornou quase um jargão para se falar da época moderna, não deixa de ser o fundo sobre o qual se assentou aquilo que Octavio Paz chama de "tradição da ruptura", tipicamente moderna. E mais: ela não deixa de ser um desenvolvimento natural desta consciência adquirida, na medida em que, uma vez conscientes, já estamos a meio passo de interrogar e negar - romper - a tradição da qual agora nos sabemos herdeiros.
Ao adquirir consciência da tradição, a chamada consciência histórica, não demorou muito para que quiséssemos romper com ela. Não é outra a essência do progresso como moto de funcionamento da história. Para progredir, deve-se romper com o passado, a tradição. Não custa lembrar a famosa frase de Kant, segundo a qual as Luzes seriam o estágio no qual os homens estariam saindo, finalmente, de sua menoridade, graças à razão 6 . O iluminismo, corpo de idéias que estava por trás de toda essa concepção histórica da modernidade (e que também deixa sua marca no pensamento de Antonio Candido), representaria o estágio no qual a humanidade estaria ganhando sua maioridade. Caracterizava-se, dessa maneira, o passado como um estágio menos evoluído do homem, numa perspectiva rigidamente linear. Tendo em vista que o passado era uma espécie de "balbuciar" do homem, cuja essência viria a ser realizada pelo iluminismo, era preciso ensiná-lo a falar clara e nitidamente, consolidá-lo, enfim.
Uma tal consolidação não poderia vir de outro modo senão pela instauração da "tradição da ruptura", tal como a chamou Octavio Paz. O passado deve ir dando lugar, gradativamente, ao futuro, no qual se ganha a "Terra Prometida" 7 . Romper permanentemente com o passado é a medida necessária para avançar na direção do futuro. É a maneira de se dar a "evolução" de que fala Antonio Candido. Logo, nada mais coerente com o espírito moderno do que uma tradição feita de rupturas, por mais paradoxal que isso possa parecer. A tradição moderna possível só poderia ser a da ruptura, pois a da continuidade significaria uma negação do progresso, da "evolução", uma negação da negação como mote de avanço para o futuro. Em suma, como disse Paz, mais cedo ou mais tarde, conquistada a consciência da tradição, acabamos por interrogá-la e, no limite, negá-la. Ela se torna, assim, uma tradição consciente e, por isso mesmo, a ser interrogada e negada.
3. Antonio Candido e o Modernismo: o problema da "evolução"
Foi neste panorama descrito por Octavio Paz que se inseriu o Modernismo brasileiro. Era ele que devia fazer a mais importante das rupturas em nossa história, tanto estética quanto cultural. Aqui, no entanto, havia um drama extra: o avanço para o futuro, a "evolução", como a chama Antonio Candido, estava na dependência de uma entrada no Ocidente ainda muito pouco convincente, o que se reflete naquela dialética para a qual o mesmo Candido chamou a atenção, entre o local e o cosmopolita. Ainda marcado pelo colonialismo, o Brasil tinha de correr para integrar o "concerto das nações cultas", como falou Mário de Andrade, ou seja, fazer de seu "local" uma parte digna de entrar no "cosmopolita".
Ora, por tudo o que vimos até agora, já podemos saber que a interpretação de Antonio Candido é, também ela, moderna, tal qual foi a do Modernismo, obviamente. Há, assim, uma afinidade entre a compreensão temporal do crítico em questão com a do objeto sobre o qual ele se debruça. Já por aquelas primeiras linhas de seu ensaio, citadas aqui anteriormente, fica clara esta afinidade: "se fosse possível estabelecer uma lei de evolução da nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que toda ela se rege pela dialética do localismo e do cosmopolistismo".
A própria estruturação do ensaio de Candido, na verdade, ao se dividir em fases cronológicas, já informa uma espécie de "etapismo" temporal na história. É como se a cada fase correspondesse um avanço ou não no tempo linear, isto é, uma etapa no desenvolvimento que deveríamos seguir, na "evolução" que deveríamos trilhar. Assim, o Romantismo é considerado importante avanço; já a fase que vai de 1900 a 1922 é considerada uma "literatura de permanência ". Ela, segundo o crítico, "conserva e elabora os traços desenvolvidos depois do Romantismo, sem dar origem a desenvolvimentos novos; e, o que é mais, parece acomodar-se com prazer nesta conservação" 8 .
Claro está que há um critério específico que marca o avanço ou não no tempo: o novo. Candido, portanto, assim como os modernos e modernistas, valoriza a mudança como mote de um progresso, de uma evolução. A literatura produzida é julgada pelo quantum de novidade que trouxe para uma certa história literária. Com esses critérios em mente, Candido enxerga uma estagnação na literatura do início do século XX no Brasil, o que faz com que ele a chame de "literatura de permanência". A "conservação" é vista, por aí, como algo de valor estético reduzido. Perceba-se que esta visão, na realidade, reproduz a visão do próprio Modernismo. Por isso, compartilha-se aí a sensação de que é este movimento o epicentro de nossa história literária. Candido dá prosseguimento, no território da crítica literária, às bases de compreensão histórica que ensejaram a concepção, literária e cultural, em voga com os modernistas, sobretudo paulistas, dos anos 20 e depois.
Não é por acaso, então, que coincidem tantas apreciações de Antonio Candido com as do "papa" do Modernismo, Mário de Andrade. Para ficar em um só exemplo, também Mário destaca, em sua conferência O movimento modernista , de 1942, o Romantismo como período literário a ser ressaltado em nossa história. Ali, ele afirma que "tivemos no Brasil um movimento espiritual [.] que foi absolutamente 'necessário', o Romantismo" 9 . Assim, coloca o Modernismo em companhia do Romantismo. Mas não se trata de mera coincidência. A convergência entre Mário de Andrade e Antonio Candido a respeito do papel do Romantismo na história literária nacional deriva do fato de eles compartilharem uma mesma concepção de tempo.
Assim, da mesma maneira que os modernistas consideravam como sua tarefa a ruptura com o "passadismo", também Candido privilegia o movimento por tudo aquilo que ele foi capaz de negar. E, mesmo quando não se trata de falar de uma simples negação do passado, este só aparece em função daquelas conquistas modernistas. Em todos os casos, o passado é hierarquizado, colocado em posição inferior ao futuro. Quanto mais adiante no tempo, mais evoluído, para usar a expressão de Candido.
O passado só aparece, então, de duas maneiras: ou como "peso morto" do qual devemos nos livrar, ou como indício pouco desenvolvido daquilo que depois viria. Nunca está em jogo um passado inteiro. Por isso, mesmo um autor do porte de Euclides da Cunha, quando é valorizado por Antonio Candido, o é da seguinte forma.
A publicação de Os sertões , de Euclides da Cunha, em 1902, assim como a divulgação dos estudos de etnografia e folclore, contribuíram certamente para esse movimento. Ele falhou na medida em que não soube corresponder ao interesse então multiplicado pelas coisas e os homens do interior do Brasil, que se isolavam no retardamento das culturas rústicas. Caberia ao Modernismo orientá-lo no rumo certo, ao redescobrir a visão de Euclides, que não comporta o pitoresco exótico da literatura sertaneja . 10
A despeito da validade das preocupações de Candido, nem mesmo Euclides escapa de estar na dependência de uma "redescoberta" modernista para que possa ser apreciado. Por essas e por outras, o período literário que antecede cronologicamente o Modernismo ficou conhecido como "Pré-modernismo". O prefixo "pré" indica não apenas a anterioridade mas, pelo que se lhe segue, um ponto de referência, a saber, o Modernismo. Nesta medida, restava a ele ser uma espécie de desajeitada figuração ainda mal formada de Modernismo. E nada além disso. O "pré" diz um "ainda não". Ou seja, todo o período fica a dever seu ser ao que se lhe sucede, ao "rumo certo" que será, então, dado. Não se consegue ver nele nenhuma alteridade. Neste respeitável limbo, acabam ficando nomes como os de Lima Barreto, Augusto dos Anjos, Alphonsus de Guimarães, o do próprio Euclides, entre outros 11 . Todos, às vezes mais enfaticamente, às vezes menos, por essa concepção da historicidade, ficam impedidos de dizer algo de singular que os separe do paradigma moderno e modernista.
Nesse sentido específico, a perspectiva de Antonio Candido, ao dar prosseguimento àquela dos modernistas, é castradora. Ela castra a chance de um relacionamento com esta literatura dita "pré-modernista", mas não só com ela, que seja mais livre, que não esteja atado a uma "lei de evolução" tão rígida como a que foi estabelecida pelo Modernismo e o caminho que ele impôs à literatura nacional.
Muitas vezes, a impressão que se tem, ao ler os textos de Antonio Candido, é que os momentos de nossa história literária estão sempre na conta dos modernistas. Por exemplo, na seguinte passagem: "pode-se dizer que o Modernismo veio criar condições para aproveitar e desenvolver as intuições de um Sílvio Romero, ou um Euclides da Cunha, bem como as pesquisas de um Nina Rodrigues" 12 . Nenhum desses autores, portanto, pode ser tomado por si, mas sempre tendo em vista sua relação com o Modernismo, que, afinal, foi o que lhes deu validade. Sem o Modernismo, o que temos ali não passam de "intuições". A apreensão dessa literatura que talvez seja, em vez de "pré-modernista", outro-modernismo ou mesmo não-modernista fica sempre subordinada ao papel que ela ocupa numa suposta evolução única. Será que não haveria caminho s , no plural, que pudessem ser seguidos pela literatura?
Afinal de contas, se a Semana de 22 é um marco simbólico definitivo para a cultura nacional, também não podemos nos deixar levar pela ilusão fácil de que foi ali que brotou, do nada e como que por mágica, a modernidade estética brasileira, praticamente restrita territorialmente, por esta visão, a São Paulo. Assim, quando Antonio Candido afirma que a Semana de Arte Moderna "foi realmente o catalisador da nova literatura, coordenando, graças ao seu dinamismo e à ousadia de alguns protagonistas, as tendências mais vivas e capazes de renovação, na poesia, no ensaio, na música, nas artes plásticas" 13 , devemos lembrar as palavras de José Lins do Rego, citadas por Silviano Santiago: "para nós, no Recife, essa 'Semana de Arte Moderna' não existiu" 14 . Ora, se Lins do Rego dizia isso, podemos, pelo menos, desconfiar de que a Semana de 22 não tenha realmente catalisado todas as forças da nova literatura, como o quer fazer crer Antonio Candido.
Entretanto, a visão do Modernismo esboçada por Candido supõe o movimento como "a tendência mais autêntica da arte e do pensamento brasileiro" 15 . Ao referir-se ao panorama da arte e do pensamento brasileiros como tendo uma tendência mais autêntica, Candido está reivindicando uma estreiteza na consideração da literatura brasileira, através da qual ela deve estar sempre referida a este momento privilegiado que é o Modernismo; um Modernismo que, aliás, dá muito pouca atenção às possibilidades estéticas e culturais de atuação moderna fora do âmbito da Semana de 22 e seus avatares posteriores.
A "evolução", portanto, a que Antonio Candido referia-se nas primeiras linhas de seu ensaio sobre o período modernista, desemboca em uma estreiteza na consideração da história da literatura nacional. Por ora, vale dizer, não falamos de estreiteza com o sentido pejorativo que algumas vezes é ligado ao termo. Trata-se, antes, de estreiteza no sentido próprio da palavra, uma vez que Candido estreita, isto é, diminui a largura, o espaço, o âmbito no qual esta "evolução" se dá com algum sucesso, seja para o bem ou para o mal. Esta estreiteza se deve, sobretudo, a uma concepção de história, que incide sobre a literatura, calcada no progresso, isto é, na crença de que há um "rumo certo" a ser seguido. Mas como se define este "rumo certo"? A resposta a essa pergunta só pode ser dada por uma referência àquela dialética entre "localismo" e "cosmopolitismo" que o próprio Antonio Candido havia anunciado como a "lei" que regia esta suposta "evolução".
4. Antonio Candido e o Modernismo: a "evolução" na "dialética" entre "localismo" e "cosmopolitismo"
A dialética entre o local e o cosmopolita, é bom que se diga, em primeiro lugar, só se coloca, como questão da ordem do dia, para uma cultura como a nossa, isto é, marcada tão fortemente por seu passado colonial e pela perpetuação desse legado, das mais variadas formas possíveis (lembremos apenas que o Brasil foi o último país no mundo a abolir a escravidão). É nesse contexto que se instala tão agudamente o problema da relação entre "localismo" e "cosmopolitismo". É que essa relação acaba por espelhar, na verdade, o anseio da colônia por fazer parte do mundo da metrópole. Ou, em outras palavras, o anseio do Brasil de garantir seu passaporte para o mundo ocidental. É a esse dilema, que pode nos soar hoje um pouco ultrapassado, que se deve a agudeza dessa dialética a que se refere Antonio Candido.
Essa relação entre o "localismo" e o "cosmopolitismo" é, para Candido, aspecto essencial para se entender as obras literárias. Isto porque, segundo ele, "a obra resulta num compromisso mais ou menos feliz da expressão com o padrão universal" 16 . Há, assim, de seu ponto de vista, um "padrão universal" bem definido, com o qual as obras travam contato e podem ser bem ou malsucedidas nesse contato. A relevância dessa dialética é, portanto, decisiva, a ponto de ele afirmar que tudo "que temos de mais perfeito como obra e como personalidade literária (um Gonçalves Dias, um Machado de Assis, um Mário de Andrade) representa os momentos de equilíbrio ideal entre as duas tendências" 17 .
Precisando melhor o que entende por essa dialética, Candido afirma o seguinte, em uma longa, porém esclarecedora, passagem.
Pode-se chamar dialético a este processo porque ele tem realmente consistido numa integração progressiva de experiência literária e espiritual, por meio da tensão entre o dado local (que se apresenta como substância de expressão) e os moldes herdados da tradição européia (que se apresentam como forma de expressão). A nossa literatura, tomado o termo tanto no sentido restrito quanto no amplo, tem, sob este aspecto, consistido numa superação constante de obstáculos, entre os quais o sentimento de inferioridade que um país novo, tropical e largamente mestiçado, desenvolve em face de velhos países de composição étnica estabilizada, com uma civilização elaborada em condições geográficas bastante diferentes. O intelectual brasileiro, procurando identificar-se a esta civilização, se encontra todavia ante particularidades de meio, raça e história, nem sempre correspondentes aos padrões europeus que a educação lhe propõe, e que por vezes se elevam em face deles como elementos divergentes, aberrantes. A referida dialética e, portanto, grande parte da nossa dinâmica espiritual, se nutre deste dilaceramento, que observamos desde Gregório de Matos no século XVII, ou Cláudio Manuel da Costa no século XVIII, até o sociologicamente expressivo "Grito de brancura em mim" de Mário de Andrade - que exprime, sob a forma de um desabafo individual, uma ânsia coletiva de afirmar componentes europeus da nossa formação. 18
Exposta assim, a tal dialética de Antonio Candido ganha contornos mais nuançados. E, além disso, coloca, de forma até resumida, alguns dos principais problemas que o Brasil, como ex-colônia, enfrentou para se afirmar no rol das nações ditas civilizadas. Nosso progresso deveria levar-nos até aquele estágio em que estavam os países do Velho Mundo, estágio nomeado como "moderno". É claro que, como aponta Candido, teria um privilégio, nessa questão, a relação com Portugal, nossa ex-metrópole.
O sucesso do Modernismo, então, como vértice equilibrado dessa dialética, advém de ele ter sido capaz de um "desrecalque localista", por um lado, e, de outro, de uma "assimilação da vanguarda européia" 19 . Liberando a estética nacional para aproveitar as marcas locais, a maioria delas antes negligenciada, e sendo capaz de incorporar as informações estrangeiras em ares tupiniquins, o Modernismo seria, assim, o movimento cultural que marcou uma inserção mais firme e interessante do Brasil no Ocidente, instaurando um diálogo rico entre nós e eles. Solução feliz da dialética entre "localismo" e "cosmopolitismo". Não é outro o significado da seguinte observação de Antonio Candido.
Nos dois decênios de 20 e 30, assistimos o admirável esforço de construir uma literatura universalmente válida (pela sua participação nos problemas gerais do momento, pela nossa crescente integração nesses problemas) por meio de uma intransigente fidelidade ao local. 20
A questão que pode, e deve, ser colocada aí é a de como se dá essa dialética. É mais do que sabido que ela permeia a vida espiritual brasileira em todas as suas faces. Na passagem citada de Candido, contudo, a "intransigente fidelidade ao local" se dá como "meio", isto é, como instrumento. A fidelidade ao local é a via para que se construa uma literatura "universalmente válida". A preocupação primeira, portanto, é a de construir uma literatura compromissada com o tal "padrão universal". É só por isso que o local ganha algum valor. Busca-se, então, o que há de local para que se possa oferecer, perante o panorama internacional, algo de singular. A importância das características locais vêm a reboque da necessidade de dar alguma contribuição própria no contexto civilizado ocidental. Ou seja, elas ganham importância não por si mesmas, mas pelo que podem propiciar no sentido de nos colocar mais próximos de uma aceitação daqueles que, em última instância, forjaram o tal "padrão universal".
O ponto central, então, da dialética entre "localismo" e "cosmopolitismo" é a presença de um "padrão universal". Aliás, já se podia entrever isto por algumas das reflexões de Antonio Candido em sua obra maior, a Formação da literatura brasileira , de 1959. É emblemática, a esse respeito, a sua famosa metáfora segundo a qual a "nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no Jardim das Musas" 21 .
Desse ponto de vista, a justificativa para que apreciemos a nossa literatura acaba sendo proveniente tão-somente do fato de ela ser. nossa. Afinal de contas, não fosse por isso, melhor seria ler as obras das Musas ou, pelo menos, do arbusto de segunda ordem, mas jamais as do galho secundário desse arbusto. É o que explica o próprio Candido, ao afirmar que "comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca", porém, ainda assim, "é ela, não outra, que nos exprime" e, por isso, "se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós" 22 .
Ora, a metáfora de Candido deixa claro que, para ele, há uma hierarquia bem definida no que diz respeito às literaturas nacionais. Algumas, entre as quais estão, por exemplo, a alemã, a inglesa e a francesa, ocupam o Jardim da Musas, e àqueles pertencentes a essas línguas bastaria ler em seu próprio idioma para "elaborar a visão das coisas" e experimentar "as mais altas emoções literárias" 23 . Ainda que esses comentários sejam muito abstratos (o que significaria "elaborar a visão das coisas"?), são eles que definem o tal "padrão universal" que permite operar a hierarquização das mais diferentes literaturas e, por aí, dizer que a brasileira é arbusto menor de galho já de segunda ordem do Jardim das Musas.
O que podemos concluir, então, é que, se a idéia de uma "evolução" da literatura encontra sua lei na "dialética" entre "localismo" e "cosmopolitismo", essa dialética, por sua vez, é compreendida tendo por referência um certo "padrão universal", o que faz dele, então, o verdadeiro legislador da "evolução" de que falou Candido. Embora com refinamento intelectual raro, Antonio Candido, em última análise, não deixa de estar colocando para a literatura brasileira a tarefa de se apegar a esse "padrão universal". E é só para que se tenha um compromisso bem-sucedido com ele que se deve dar atenção à dialética entre "localismo" e "cosmopolitismo", na medida em que ela é requisito para um tal sucesso. Foi por efetuar uma bem-sucedida articulação desse esquema que o Modernismo ganhou tanto prestígio na apreciação de Antonio Candido. O seu raciocínio sofisticado, aliado à sua habilidade crítica, só nos deixa, então, uma pergunta: seria mesmo possível falar de um "padrão universal" para a literatura?
Há muito já sabemos, pelo menos desde Levi-Strauss, que as civilizações percorrem caminhos distintos em suas vidas, e não obedecem a uma única opção de desenvolvimento, ao contrário do que gostariam de fazer crer muitos imperialistas do século passado. Será que, então, no terreno da estética e, de maneira mais ampla, da cultura, poderíamos falar de um "padrão" válido universalmente? Talvez não seja um detalhe que o argumento de Antonio Candido não especifique bem em que consiste esse padrão, ficando restrito a afirmações tão abstratas como as que vimos. Desse modo, ele acaba rendido à aceitação de um padrão europeu de arte e de cultura, uma vez que é ele o que há à disposição já inteiramente formado e consolidado. Não deixa de ser curioso que o subtítulo do ensaio de Candido seja "(Panorama para estrangeiros)". Ainda uma vez, é a mesma questão que está em pauta: a de inserção do Brasil, no caso, da literatura brasileira, no Ocidente.
5. Do modernismo de Antonio Candido ao já-não-mais-Modernismo de Silviano Santiago
Assim como a primeira frase do ensaio de Antonio Candido nos forneceu a chave para a sua interpretação do Modernismo, também a primeira frase de "Fechado para balanço" (ensaio de 1982, isto é, escrito mais de 15 anos depois de "Literatura e cultura de 1900 a 1945" , de Candido) é central para a nossa compreensão das idéias de Silviano Santiago a respeito do Modernismo. Nela, Silviano confessa: "parece-me que com o excelente trabalho de João Alexandre Barbosa, 'A modernidade no romance', dão-se finalmente por encerrados os sucessivos ciclos de apreciações críticas do modernismo brasileiro" 24 .
Desde já, podemos marcar uma distância entre o procedimento de Silviano e o de Candido. Enquanto o último estava inserido numa linha de perfeita continuidade com as interpretações modernistas do Modernismo, o primeiro inicia sua reflexão postulando o fim dos ciclos dessas mesmas interpretações. As apreciações críticas do Modernismo, para Silviano, podem ser dadas por encerradas, ou seja, é chegado o seu fim. O trabalho crítico citado por ele, de João Alexandre Barbosa, é, de seu ponto de vista, o mote para a determinação de "um terceiro e último ciclo de interpretações do movimento que neste ano de 1982 comemora o seu sexagésimo aniversário" 25 .
O sexagésimo aniversário do Modernismo, portanto, marcaria, também, o esgotamento da continuidade de interpretações que, com diferenças aqui e ali, reproduziam uma perspectiva inaugurada pelo movimento, fazendo dele coisa ainda viva segundo seus próprios parâmetros. Para Silviano, já em 1982, era chegada a hora de decretar o definitivo acabamento do Modernismo.
Hoje o todo da produção modernista nos chega como um objeto cujo acabamento final está sendo dado por João Alexandre. Se esse objeto ainda não tem a forma fixa e a nitidez de uma concha cujo marulho aprisionado seduz os estudiosos atuais, é pelo menos um prosaico e convincente novelo, cujos fios perderam embaraços e nós, fios que, cuidadosamente emendados por mãos adestradas, se aquietam provisoriamente sob a forma circular e palpável que lhe foram emprestando. 26
Não nos interessa aqui esmiuçar os ciclos de interpretação descritos por Silviano em seu ensaio. Contudo, valeria destacar que, a princípio, Antonio Candido poderia ser aproximado do segundo, datado a partir do "espírito de 45" . Tanto que esse ciclo é, como nota Silviano, "encabeçado pelo que vamos chamar de críticos literários, sabendo que a expressão engloba tanto os críticos propriamente ditos quanto os historiadores da literatura e mesmo os escritores-críticos" 27 .
Ao descrever como atuavam esses críticos, Silviano faz uma observação que cai como uma luva para o modo de operação analítico que viemos acompanhando com Antonio Candido. Ele afirma que a "picada que conduzia a crítica ao passado era feita a partir de seu ponto de chegada", ou seja, a "picada era a linha da tradição modernista que se manifestava pela primeira vez" 28 . Ora, foi precisamente isso que notamos em Candido. Sua crítica constitui um ponto de força na constituição de uma tradição baseada na perspectiva modernista , na medida em que dá continuidade aos pressupostos dos modernistas em sua obra teórica. E, como notou Silviano, isso significava considerar o passado tão-somente de um lugar específico de chegada, a saber, o Modernismo e suas premissas.
A "picada" que "conduzia a crítica ao passado" ficava vendida, assim, a uma atitude histórica de feições bem hegelianas, em que é uma realização consumada no futuro que determina toda a apreciação que será feita do passado. Por isso, pode-se pensar uma única história e um único tempo, sempre no singular. Não há, aqui, como vislumbrar histórias plurais, visto que atua, por trás disso, implicitamente, a crença em uma teleologia , isto é, uma crença na existência de um ponto ótimo de chegada que deve ser conquistado e, uma vez conquistado, dá sentido a tudo que o precedeu. Os pressupostos modernistas, então, e o próprio Modernismo, marcariam um ponto desse tipo, determinando, a partir de seus parâmetros, o modo como deveria ser considerada toda a literatura brasileira.
Não é outro o sentido do "padrão universal" de que fala Antonio Candido. Essa idéia supõe uma teleologia, ou seja, um telos , uma determinada finalidade, no caso, para a literatura. Pelo tom de seus textos, cujos resíduos iluministas são bem evidentes, a finalidade, para Candido, soa sempre como uma adesão a esse "padrão universal", cujos critérios dificilmente deixam de ser os europeus, mesmo que incluamos neles, aqui e ali, conteúdos locais. Isso significa que o "empenho" de nossas letras não deveria ser outro senão o de se integrar, ainda que como plantinha menor, no Jardim das Musas, ficando subordinada aos parâmetros estéticos e culturais importados destas mesmas Musas.
Ainda assim, à sua época, a construção de uma "tradição modernista", como chamou Silviano, foi de grande importância para a força da literatura brasileira. Sobretudo na medida em que instaurava, talvez pela primeira vez em terras nacionais, a solidez digna do nome de "tradição", apontando antecedentes e sucessores, direções e influências, ao longo de nossa história literária. Assim, se a geração pós-45 se distancia, por um lado, dos modernistas de 22, é para, do outro lado, fornecer-lhes a força de uma verdadeira tradição. A relevância de suas ações pode ser apontada pela seguinte passagem de Silviano.
A avaliação crítica conduzia, pois, a um esforço por constituir o alicerce onde vai sendo construído o trabalho jovem. Uma dedicatória a Lins do Rego ou uma epígrafe tomada de empréstimo a um poema de Drummond não significam sinal de companheirismo, mas antes a marca de determinada ascendência daqueles autores sobre a produção dos mais moços. O sentido do passado é o presente e a avaliação se encontra comprometida por uma linha que estamos nomeando como a de uma dada tradição. Se o movimento modernista enquanto "força fatal", para retomar a expressão de Mário, era um fogo que ardia, agora o modernismo é um fogo que esquenta panela. 29
Ora, já era um pouco o que apontávamos ao falar do caráter estreito do gesto crítico de Antonio Candido. Sua estreiteza se deve, precisamente, ao esforço de demarcar um espaço bem definido para a instauração de uma tradição, o que dificilmente pode ocorrer se não se tem a coragem de estreitar as coisas, de definir um escopo segundo alguns critérios. Um tal gesto foi decisivo para o vigor de nossas letras, e não deve e nem pode, por causa das eventuais críticas que possamos fazer a ele hoje, ser menosprezado. Pelo contrário, precisa ser valorizado, mesmo que para isso tenhamos de indicar seus possíveis limites.
E é isso que devemos fazer agora. Se a crítica de Candido cumpriu seu papel nos anos 50 e 60, será que ela pode, ainda hoje, ser seguida à risca como maneira de se interpretar o Modernismo e, de modo mais geral, a história da literatura brasileira? Ao que me parece, não. E o motivo é, por um lado, bem simples, mas, por outro, bem difícil. É que não mais vivemos numa época estritamente moderna, o que complica muito aceitar os pressupostos históricos de Antonio Candido.
6. Esgotamento moderno (mais uma visita a Octavio Paz, agora com Hannah Arendt)
Octavio Paz foi um dos poucos pensadores a se expressar de maneira ao mesmo tempo sóbria e incisiva sobre este esgotamento do moderno. Segundo suas palavras, "muito provavelmente estamos ao fim de um período histórico e no começo de outro. Fim ou mutação da Idade Moderna? É difícil saber" 30 . Difícil, muito difícil de saber. Não é outro o traço que marca o ocaso da modernidade: incerteza. Não estamos muito certos de nada, nem mesmo de se estaríamos vivendo uma mutação ainda no interior do espírito moderno ou seu término. Sem utopias, vimo-nos lançados ao tempo sem referenciais fortes aos quais pudéssemos atar nossos desejos.
A este estado de coisas, Octavio Paz chama de ausência de uma "doutrina meta-histórica".
Pela primeira vez na história, os homens vivem em uma sorte de intempérie espiritual e não, como antes, na sombra de sistemas religiosos ou políticos que, simultaneamente, nos oprimiam e nos consolavam. As sociedades são históricas, mas todas têm vivido guiadas e inspiradas por um conjunto de crenças e idéias meta-históricas. A nossa é a primeira que se põe a viver sem uma doutrina meta-histórica. 31
A ausência de uma meta-história foi a forma de Octavio Paz apontar e nomear nossa situação contemporânea, aquela na qual o paradoxo moderno da "tradição da ruptura" atingiu seu limite. Dava, assim, expressão a um pressentimento que, desde Tocqueville, atordoou as mentes pensantes do Ocidente. A referência a Tocqueville, se não é necessariamente precisa, é, pelo menos, emblemática. Pois foi ele quem formulou, de maneira lapidar, o problema que aqui está em jogo, quando afirmou que "desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, a mente do homem vagueia nas trevas" 32 .
Nessa expressão dramática, denuncia-se a operação, até certo ponto suicida, da era moderna: a escolha de um destino cujo paradoxo, se lhe dava vida, lançava-a para a morte. Afeitos à negação da tradição, os modernos, de tanto a negarem, viram-se, definitivamente, dela desprovidos. E, quando isso aconteceu, não havia mais sequer o que negar. Como que de súbito, o homem percebeu que, sem a luz vinda do passado, isto é, a tradição, sua mente estaria fadada a vagar na escuridão. Enquanto havia luz vinda do passado, podíamos a ela nos opor e torcer, ingenuamente, por seu apagar, que faria nascer uma outra e nova luz. Porém, quando nos vimos sem luz alguma, percebemos o quão necessária ela era, quer fosse para que pudesse ser mantida, como para os pré-modernos, quer fosse para que pudesse ser negada, como para os modernos.
Mais contemporaneamente, Hannah Arendt expressou-se sobre o mesmo fenômeno falando de uma lacuna "entre o passado e o futuro" que, findada a tradição, não mais poderia ser transposta. Para ela, o
ponto em questão é que o "acabamento" que de fato todo acontecimento vivido precisa ter nas mentes dos que deverão depois contar a história e transmitir seu significado deles se esquivou, e sem este acabamento pensado após o ato e sem a articulação realizada pela memória, simplesmente não sobrou nenhuma história que pudesse ser contada. 33
Ora, é óbvio, aqui, que se trata precisamente da ausência de uma meta-história, tal como disse Octavio Paz. O corte na continuidade histórica, promovido pela exacerbação da lógica paradoxal da negatividade moderna, roubou o tal "acabamento" que é demandado pelos acontecimentos vividos para que se constitua o contar da história. A conseqüência disso, para Arendt, é grave.
O problema [...] é que, ao que parece, não parecemos nem estar equipados nem preparados para esta atividade de pensar, de instalar-se na lacuna entre o passado e o futuro. Por longos períodos em nossa história [.] esta lacuna foi transposta por aquilo que, desde os romanos, chamamos de tradição. Não é segredo para ninguém o fato de essa tradição ter-se esgarçado cada vez mais à medida que a época moderna progrediu. Quando, afinal, rompeu-se o fio da tradição, a lacuna entre o passado e o futuro deixou de ser uma condição peculiar unicamente à atividade do pensamento e adstrita, enquanto experiência, aos poucos eleitos que fizeram do pensar sua ocupação primordial. Ela tornou-se realidade tangível e perplexidade para todos, isto é, um fato de importância política. 34
Rompido o fio da tradição, nada mais nos poderia fornecer o precioso elo que ligava o presente ao passado. A lacuna de que fala Hannah Arendt é este estado de desamparo no qual estamos quando o passado não lança mais luz e nossas mentes estão nas trevas. A tradição nos dava um quadro de referências que, sendo afirmado ou negado, estava ali sólido e forte garantindo uma certa organização para o passado que lhe doava sentido. Diante da nova situação, o pensamento, em sua tarefa de prover uma compreensão que nos reconcilie com o mundo, viu-se sem critérios capazes de dar conta dos acontecimentos. Estes não encontravam mais, nas categorias legadas pelos antigos através da tradição, os critérios que permitissem uma conciliação com a realidade.
A lacuna entre o passado e o futuro, vazia pela ausência de uma tradição, deixou-nos desamparados ao destituir a história da lógica progressiva que antes a orientava. Com isso, o que vemos é uma degradação dos feitos realizados em nome da modernidade. Como dependiam do vigor de uma negação que se esvaiu, uma vez que a tradição à qual ela se opunha se foi, tais feitos perderam a força, viraram o clichê de si mesmos. Como observou aguçadamente Paz, em uma passagem que poderia ser colocada ao lado das constatações de Hannah Arendt sobre não estarmos equiparados para a instalação na lacuna entre passado e futuro, já há muito as negações modernas "são repetições rituais: a rebeldia convertida em procedimento, a crítica em retórica, a transgressão em cerimônia. A negação deixou de ser criadora" 35 .
Na filosofia, crise da compreensão; na arte, crise da criação. Ambas fundadas no esgotamento do moderno e na conseqüente quebra entre o passado e o futuro. Sem tradição, sem uma doutrina meta-histórica, sem utopias. Sem uma imagem para o passado, sem uma imagem para o desenrolar histórico, sem uma imagem para o futuro. Um presente solitário, sem poder mirar-se nem no passado nem no futuro. Um presente desamparado é o nosso. Não é outro o sentimento de Octavio Paz ao se expressar da seguinte forma: "ninguém está seguro do que o espera, e são muitos os que se interrogam: o sol nascerá amanhã?" 36 .
A única coisa segura é que, como disse Hannah Arendt, a "ruptura em nossa tradição é agora um fato acabado. Não é o resultado da escolha deliberada de ninguém, nem sujeita a decisão ulterior" 37 . O fim da tradição, contudo, não deve ser confundido com o fim do passado, do mesmo modo que o fim das utopias não termina com o futuro. São nossas imagens, tradicionais, de passado e futuro que foram desbancadas, e somente elas. Como disse, certa feita, René Char, "nossa herança nos foi legada sem testamento algum" 38 . Nossa herança, isto é, nosso passado, está aí, colocado diante de nós. O que nos falta é o testamento que organize uma tal herança, determinando o que vai para quem e como, ou seja, o que nos falta é a organização antecipada do passado em uma forma determinada, o que era provido pela tradição.
O presente, portanto, é um presente incerto e desamparado. Sem certezas porque não detém nenhuma crença meta-histórica que o oriente. Sem amparos porque não encontra encosto ou baliza - amparo - nem no passado nem no futuro. Trata-se, ainda uma vez, da lacuna entre passado e futuro, uma lacuna na qual estamos irremediavelmente instalados. Trata-se, ainda uma vez, da ausência de uma meta-história que nos possa guiar em nossas ações presentes. Em outras palavras, o que está em jogo é a falência mesma de toda a temporalidade pela qual, por séculos e séculos, viemo-nos compreendendo. O que se exige, então, é que sejamos capazes de fundar, construir uma outra temporalidade, pela qual este presente, isolado e desamparado, possa relacionar-se com o passado e com o futuro de uma outra maneira. Exige-se, assim, uma nova temporalidade que, partindo deste presente solitário, nele se funde.
7. Silviano Santiago e o "fechamento" do Modernismo
Este quadro, que pintamos rapidamente por meio de Octavio Paz e Hannah Arendt, dá a dimensão da insustentabilidade de perpetuarmos os pressupostos teóricos de uma crítica literária que ainda crê em "evolução" (que certamente é mais uma das doutrinas meta-históricas que, segundo Octavio Paz, caíram por terra) ou "padrão universal" no sentido moderno. É por isso que o ensaio de Silviano Santiago sobre o Modernismo, escrito quase duas décadas depois do de Antonio Candido, ou seja, respondendo já a dilemas distintos, insiste tanto em firmar que os ciclos de interpretação do movimento terminaram. É que, dessa maneira, estaríamos deixando de lado um modo de lidar com a literatura cuja temporalidade está falida, falência que fica tão evidente pelas palavras de Octavio Paz: "as negações são repetições rituais, rebeliões de fórmulas, transgressões de cerimônia" 39 . Nosso jeito próprio, da modernidade, de promover a mudança e o novo foi justamente aquilo que caiu por terra no ocaso da época. O declínio da mudança e do poder da negação nos deixou desprovidos daqueles instrumentos pelos quais estávamos acostumados a lidar com o tempo e nele instaurar o novo.
É por causa da falência deste modelo temporal moderno que Silviano dá tanta importância ao fato de que o Modernismo, já em 1982, era um objeto domado, uma vez que isso nos livraria de continuar a repisar velhas fórmulas já desgastadas e inúteis. Seu astuto raciocínio forja uma união entre a perfeição com que o crítico João Alexandre Barbosa executou seu trabalho, sendo capaz de formular com exatidão impressionante o que de melhor houve na tradição modernista, isto é, aquilo que nela foi, de fato, moderno, e o acabamento do Modernismo, como se um fosse o indício do outro. Assim, ele pode concordar inteiramente com João Alexandre Barbosa mesmo discordando radicalmente dele. É que Silviano, ao que parece, concorda com tudo, mas vê este "tudo" como um "todo" já acabado e que, por isso mesmo, implica desafios que já não são mais os mesmos. Com isso, ele pode sentir-se à vontade para escrever o seguinte.
Não digo isso para contradizer a escolha dos romancistas e dos romances, feita por João Alexandre. A sua lista, no próprio gesto de precisão crítica que exibe, é impecável - e sorte da literatura que já pode contar com os nomes que ele arrola: Machado, Oswald, Mário, Graciliano, Guimarães e Clarice. Não se trata, portanto, de questionar os fundamentos da "moldura reflexiva", de questionar este ou aquele nome, esta ou aquela obra, ou de propor nomes que teriam escapado ao olhar incisivo do crítico e historiador. Pelo contrário, a concordância nossa é total. 40
É justamente porque a concordância é total que a discordância pode ser radical. É justamente porque a lista de João Alexandre é tão precisa, ao diagnosticar o melhor de nosso espírito moderno, que ela indica que este espírito chega ao seu fim. Somente no fim seria possível um gesto crítico tão exato. Logo, o sucesso da empreitada de João Alexandre é o sintoma de que aquele objeto que fora seu alvo já está inteiramente dominado, o que significa dizer, findado.
Não é por acaso, então, que o título do ensaio de Silviano é "Fechado para balanço". O Modernismo, com o trabalho de João Alexandre, alcançava seu fechamento. Só por isso podia ser, finalmente, posto na balança. O balanço só se dá depois de que o seu objeto já foi fechado. Ou seja, em nosso caso: o balanço de João Alexandre só pôde se dar porque o seu objeto, o Modernismo, chegara ao fechamento, fechamento cujo último acorde teria sido o do próprio crítico.
O próprio Silviano Santiago, em seu ensaio, resume, em poucas linhas, qual é o seu objetivo central no que concerne à apreciação do trabalho de João Alexandre.
Com isso, estamos querendo dizer que a leitura que João Alexandre opera no romance modernista/moderno brasileiro, se não for vista sob o efeito de fechamento , pode induzir o "crítico" menos atento a advogar os mesmos princípios, a mesma moldura, como critério básico tanto para a tarefa de apreciação crítica dos mais recentes romances brasileiros quanto para a atuação da criação jovem. Seria um equívoco fatal para a cultura brasileira. 41
Ora, isto é precisamente o contrário do que ocorre com Antonio Candido. Para ele, por mais que o Modernismo possa ser enquadrado em um certo período de tempo definido cronologicamente, são ainda os pressupostos históricos modernos, como vimos, que vigoram na tarefa da crítica literária, mesmo que mais nuançados e menos impositivos. Trata-se, então, ainda de uma "evolução", de um "padrão universal", todos esses valores caros à modernidade. Nesse sentido específico, os pressupostos do Modernismo não teriam encontrado ainda o seu fim, do ponto de vista de Candido. Pelo contrário, seriam eles, ainda hoje, os instrumentos mais importantes da crítica literária. Afinal de contas, isto é bem coerente com a abordagem de Antonio Candido, uma vez que, se a nossa "evolução" depende de uma adesão a um "padrão universal", é bem possível que isso não tenha acontecido ainda. O momento alto do Modernismo teria ficado para trás, e a dialética entre "localismo" e "cosmopolitismo" estaria, assim, ainda na ordem do dia dos problemas brasileiros.
E não é para dizermos que ela não está, pois seria falso achar que o discurso fácil da "globalização" tirou de cena o problema dessa dialética. Não tirou. Contudo, a transformou, não sozinho, mas com todo o processo de esfacelamento dos valores prezados pela modernidade. Essa dialética, que em Candido está compromissada, de ponta a ponta, com um certo "padrão universal", passa a poder desenvolver-se de uma outra maneira, que não esteja apenas atrás de uma adesão a um suposto critério de julgamento estético e cultural único, quase sempre importado da Europa.
8. A valorização da figura de Oswald de Andrade por Silviano: nova dialética
É no sentido desta procura de uma outra maneira para se encarar a "dialética" entre o "localismo" e o "cosmopolitismo" que podemos interpretar o esforço crítico de Silviano Santiago de destacar a figura de Oswald de Andrade. É que Silviano deposita nela a possibilidade de enxergar essa relação (vivida tão dramaticamente pelos modernistas paulistas dos anos 20 e de modo bem mais sereno por artistas - não seriam eles também modernos a seu modo? - cariocas das duas primeiras décadas do século) por um outro viés que não o da estipulação de um compromisso com um "padrão universal". O que Silviano busca sublinhar, ao trazer para primeiro plano Oswald em seu ensaio, é que as relações entre "localismo" e "cosmopolitismo", que determinam a "evolução de nossa vida espiritual", segundo Antonio Candido, podem dar-se sem obedecer àquela regra, também enunciada por Candido, de que "a obra resulta num compromisso mais ou menos feliz da expressão com o padrão universal".
Segundo Silviano, o próprio João Alexandre Barbosa, que serve de mote contínuo para a colocação de suas idéias, viu que a "teoria oswaldiana da antropofagia ajuda a compreender [.] 'a relação entre localismo e cosmopolitismo'" (relação também por ele tematizada), uma vez que ela "'inverte os dados de influência, débitos e créditos'" 42 .
Oswald de Andrade, dentro do movimento de 22, era o único que falava da influência como autonomia do influenciado, dos débitos sem dívida na conta corrente do autor e dos créditos que embaralham as colunas do livro de contas. A visão oswaldiana do passado visa a colocá-lo em condição de força para a criação dependente, e é por isso que a sua teoria não pode ser compreendida por certos historiadores da literatura brasileira que ainda primam pela busca da "objetividade" a todo preço, sem se preocupar em saber para quem ela trabalha. Oswald embaralha os dados cronológicos, propondo antecedências liberadoras e procedências castradoras. Liberação e castração se dão num idêntico compasso, significando a realidade de uma situação de "dependência", a própria razão da sua existência precária, que, descrita de outra forma, apenas falsearia os dados que estão em jogo. 43
Desse modo, a figura de Oswald de Andrade, em seu percurso artístico, de pensamento e mesmo de vida, serve como uma espécie de modelo para o que Silviano Santiago está tentando mostrar sobre o Modernismo, funcionando quase como uma metonímia de sua visão sobre o movimento. Tanto é assim que ele afirma que
Oswald de Andrade, que prenuncia o movimento modernista, com a sua viagem à Europa, e o progresso, com o seu poema sobre um passeio de bonde pela cidade de São Paulo, também encerra o movimento, apontando para a circularidade do novelo de que falávamos. 44
Pela consideração da figura de Oswald de Andrade por essa perspectiva, todo um novo campo se abre para nós. Os dois pontos centrais do raciocínio de Antonio Candido podem ser, aí, renovados. Em primeiro lugar, a dialética entre "localismo" e "cosmopolitismo" deixa de ter como ponto de partida uma mera defasagem da periferia em relação a um centro, no caso, do Brasil em relação à Europa. As "idéias fora do lugar" 45 só podem ser assim chamadas porque se supõe um lugar correto para elas estarem, um "padrão universal" que lhes seja inerente. A instigante tese de Roberto Schwarz, discípulo dileto de Candido, contudo, não nos pode deixar escapar (como talvez não escape a ele mesmo) que, a rigor, não há um só lugar certo para as idéias estarem, sendo elas bem mais móveis e maleáveis do que se poderia supor, e ficando sempre a dever uma cor local dependendo de onde se instauram, seja na Europa ou aqui.
A relação que o local estabelece com o cosmopolita, a partir daí, pode estabelecer-se em novas bases propriamente antropofágicas. Não se trata, então, de se submeter ao "padrão universal", mas de devorá-lo e digeri-lo. Em vez de tratar a história como uma incessante tentativa de alcançar aquele patamar no qual já estariam as culturas do Velho Mundo, a dialética passa a se dar num plano mais sofisticado, no qual, livre de uma teleologia, ela precisa relacionar-se com o tempo de uma outra maneira.
Silviano Santiago desenvolveu, a seu modo, esta problemática - que Roberto Schwarz chama de "idéias fora do lugar" e Antonio Candido de "dialética entre 'localismo' e 'cosmopolitismo'" - em seu famoso ensaio "O entre-lugar do discurso latino-americano" 46 . Nessa perspectiva, a relação de dependência da periferia em relação ao centro, cuja validade é patente no terreno econômico, é problematizada quando se trata do terreno cultural. É que neste último fica mais difícil falar de uma fonte e de uma influência do mesmo modo que se fala em economia. Como disse Silviano, a partir de Oswald, no campo da cultura a influência pode ser "autonomia do influenciado". Não é outro o sentido da antropofagia, cujo funcionamento concreto nas ações estéticas e culturais brasileiras demonstra o quão livre, criador e vigoroso pode ser o influenciado diante de sua fonte, ao ponto mesmo de deixar esses termos mal colocados para descrever uma tal relação.
Os "débitos sem dívida na conta corrente do autor" e os "créditos que embaralham as colunas no livro de contas", se são impensáveis na economia, marcam decisivamente a atividade artística e cultural. Isso faz com que a crença em um "padrão universal" se enfraqueça. Não se trata de mera adesão a regras estabelecidas por outrem. Antes, o desafio maior é ser capaz de não se subordinar a um quadro de referências estrangeiro, que só se torna universal se nós assim o quisermos, ainda que seja necessário travar contato com ele. Este contato, todavia, pode ser de um tipo antropofágico, em que o influenciado não é só passivo diante da sua influência, pelo contrário, é extremamente ativo.
9. Silviano ainda com Oswald: diferente evolução
Ora, ao serem invertidos os termos pelos quais se compreendia a relação entre "localismo" e "cosmopolitismo", está-se questionando, no mesmo lance, a "evolução" da nossa "vida espiritual", uma vez que esta tinha sua lei justamente na dialética que regia aquela relação. Desconstruídos, no sentido derridiano mesmo do termo, os papéis que ocupavam cada um dos pólos da relação dialética, desconstrói-se, também, a suposta evolução que era por ela sustentada. A história da literatura, neste sentido, não mais precisa ser vista como uma progressão linear no tempo. E, sendo assim, distanciamo-nos bastante dos pressupostos modernos, uma vez que a valorização da ruptura e do novo, marcadamente moderna, dava-se porque eram essas as qualidades necessárias para o avanço nesta tal evolução. O motor do progresso era a ruptura que, ao desbancar o "peso morto" do passado, dava lugar ao novo no futuro.
Assim como a interação no espaço se modificou, entre o local e o cosmopolita, também a interação no tempo se transforma: o presente não se relaciona com o passado como outrora. Como destaca Silviano, pontuando Oswald, o passado é colocado "em condição de força para a criação dependente". Aqui, mais uma vez, fica clara a distância de Silviano em relação a Antonio Candido. Ao contrário deste último, o primeiro aposta em uma era já pós-moderna, e vê nela a chance de estabelecimento de um outro relacionamento com a história, da literatura inclusive, através do qual poderíamos até contornar os preceitos modernistas e, neste contorno, descobrir novidades inesperadas, que ficaram para além da ruptura e da negação. O cerne da aposta de Silviano pode ser percebido em uma passagem na qual ele sugere que tentemos lembrar de outros nomes que não os do panteão modernista eleito por João Alexandre Barbosa.
Trata-se antes de lembrar que, se pensamos em outros nomes - possivelmente uma outra tradição-sem-tradição, indicando outras opções de escrita ficcional entre nós -, daríamos conta de que um diferente percurso de leitura poderia ser estabelecido. Este percurso, porque escapa ao fechamento do modernismo que estamos propondo, pode funcionar como instigante facão para uma futura releitura do movimento. 47
É isso que explica o fato de que, em "Fechado para balanço", os dois escritores enfocados por Silviano Santiago mais de perto, já ao final do ensaio, sejam Euclides da Cunha e Lima Barreto. Sua consideração de Euclides, por exemplo, é o oposto da de Antonio Candido. Se Candido, nas breves passagens que dedica ao escritor em seu ensaio, coloca-o na dependência do "rumo certo" em que teria sido inserido pelos modernistas, Silviano vai atrás precisamente daquilo que em Euclides o deixou à margem dessa tradição modernista de maior envergadura. Na medida em que percebe um esgotamento do moderno, o que se reflete no "fechamento" do Modernismo, Silviano quer levantar aqueles elementos que foram recalcados pela tradição oriunda do movimento e que podem, agora, depois de seu fechamento, ser aproveitados de maneira rica. Por isso, ele introduz assim a apreciação que fará de Euclides e Lima Barreto.
Levemos em consideração dois autores que têm sido bastante negligenciados pela tradição modernista e que, a meu ver, estão constituindo um bom repositório para a contestação atual da estética originada em 22 e, ao mesmo tempo, representam uma saudável mudança de ares para o jovem romancista. 48
Nos dois escritores, Silviano vai atrás do que em suas obras não corresponde a preceitos modernos. Em Lima, valoriza o uso da "redundância", em vez da tão moderna "elipse". Em Euclides, chama a atenção para a veia crítica e reflexiva diante da realidade histórica da sociedade brasileira. A todo o tempo, o que está em pauta é achar neles os elementos que foram relegados pela doutrina moderna por serem considerados de menor valor estético.
O gesto crítico de Silviano, portanto, é marcante. Escrevendo um ensaio sobre o sexagésimo aniversário da Semana de 22, marco maior do Modernismo, ele decreta o "fechamento" dessa tradição. E recorre, então, a dois autores por aquilo que eles têm a oferecer de não-moderno. Uma tal operação responde àquele que é o cenário
de toda a sua reflexão, a saber, de que o moderno se esgotou e de que estamos já numa época pós-moderna. Assim sendo, sua aposta é de que "talvez o verdadeiro 'pós' possa nutrir-se convenientemente do 'pré', e não do modernismo propriamente dito" 49 . É claro que, aqui, o prefixo "pré" representa não mais um "ainda-não" do Modernismo. Ele não é somente o balbuciar mal resolvido do que depois se realizaria com louvor. Agora, o "pré" dá ao passado uma certa alteridade, e é só por isso que ele é tão valioso, na medida em que pode ser aproveitado diante do contexto de esgotamento daquilo que veio depois dele.
Se o problema do Modernismo, como também o de Antonio Candido, era o de nossa inserção no Ocidente, este não parece ser mais um problema de primeira grandeza em 1982. Nossa entrada no Ocidente já parecia, então, confirmada. É o que fica claro por essas palavras de Silviano em seu ensaio da época.
O projeto básico do modernismo - que era o da atualização da nossa arte através de uma escrita de vanguarda e o da modernização da nossa sociedade através de um governo revolucionário e autoritário - já foi executado, ainda que discordemos da maneira como a industrialização foi implantada entre nós. Acabou se concretizando através da opção pelo capitalismo periférico e selvagem, abafando outras opções sócio-econômicas dentro de semelhante projeto de progresso . 50
Para Silviano, portanto, o projeto moderno e modernista foi cumprido. Não podemos negá-lo simplesmente porque não nos agradam os seus efeitos. Postura oposta à de Candido, que visivelmente ainda crê em uma reorientação desse mesmo projeto, jogando suas fichas na perpetuação do espírito moderno entre nós. Toda a abordagem de Candido se dá ainda no interior desse âmbito, tão marcadamente moderno. É o contrário do que ocorre com a abordagem de Silviano, que já se coloca um passo adiante da modernidade, assumindo a sua consumação, por mais que ela não se tenha dado da maneira como se gostaria.
Nesse panorama de esgotamento do moderno e, por conseqüência, do Modernismo, tão bem demarcado, segundo Silviano, pelo trabalho crítico de João Alexandre, a definição da nossa relação, local, com o internacional, o cosmopolita, volta à baila, agora precisando ser reposta sobre outras bases que não as tradicionais. Do mesmo modo, e talvez com maior urgência, nossa relação com o tempo precisa modificar-se, na medida em que a temporalidade moderna afundou em seus próprios paradoxos. Em linhas gerais, podemos enxergar todo o esforço crítico de Silviano como um esforço no sentido de pensar as letras e a cultura fora desses marcos já falidos e, por aí, criar novas maneiras de experimentar e fazer literatura.
10 . Conclusão
Da data do ensaio "Fechado para balanço", de Silviano, até hoje, já se foram 21 anos. Outros 17 anos, só que para trás, o separam do ensaio "Literatura e cultura de 1900 a 1945" , de Antonio Candido, escrito em 1965. De 82 para cá, ao que assistimos foi a confirmação de um declínio dos valores culturais e estéticos nos quais confiava a modernidade - a ruptura, a negação, etc. Com isso, veio abaixo, também, a crença num progresso, numa evolução que levaria a um futuro sonhado, a uma utopia. Isso significa que as observações de Silviano acerca do "fechamento" do Modernismo só ganharam força. Não o deixa mentir aquela sensação que temos hoje de uma distância em relação ao modo como o Modernismo strictu sensu colocou e enfrentou seus maiores dilemas. Por mais que neles reconheçamos algo de nós mesmos, o que cria intimidade, é irremediável, também, a distância que se impõe entre eles e os nossos dilemas atuais. As questões centrais modernistas, relativas a uma inserção participante na cultura ocidental avançada, valendo-se de uma valorização dos elementos locais, através do que se estaria cumprindo alguma sorte de evolução, transformaram-se com tanta velocidade e com tanta radicalidade que dificilmente encontramos nas soluções modernistas tout court algo que nos ajude substancialmente.
Por isso, muitas vezes o tom do ensaio "Literatura e cultura de 1900 a 1945" , de Antonio Candido - porque se insinua em uma mesma interpretação modernista de nossa história literária - soa anacrônico, incapaz de responder aos dilemas mais incisivos de nossa atualidade. Suas bases são ainda as de um tempo linear, de uma história teleológica e de uma crença, portanto, em uma evolução. Mas foram justamente esses bastiões da modernidade que vieram abaixo no final do século XX. A própria noção de "evolução", como um avançar sempre para o melhor, foi relativizada. E o mesmo ocorreu com a idéia de um "padrão universal" capaz de ser válido para todas as culturas. Diante da falência dos modelos modernos de compreensão da realidade, o uso dessas categorias, como faz Candido, soa hoje mais como clausura do que como libertação, mais como obstáculo ao entendimento do que como ferramenta sua.
Nesse sentido, o ensaio "Fechado para balanço", de Silviano Santiago, abre portas naqueles lugares em que encontramos impasses com Antonio Candido. Ao falar de evolução, por exemplo, sua palavra já é bem diferente da de Candido. Segundo ele, a "evolução literária, como nos alertam os formalistas russos, se elabora mais por deslocamentos de forças do que pela noção linear de evolução" 51 . Ora, toda a idéia de um "padrão universal" a partir do qual é considerada a "dialética" entre "localismo" e "cosmopolitismo" depende dessa noção linear de evolução. Sem ela, quebra-se a possibilidade de se pensar num "padrão universal", pois nenhum padrão pode arrogar-se, se a história não é linear, a universalidade. Assim, somos obrigados a redefinir essas questões em seu mais íntimo modo de ser.
Sobretudo, somos defrontados com a necessidade de pensar uma outra temporalidade distinta da moderna. É que esse é o ponto mais central de todos, uma vez que é a partir dele que as outras questões se definem. Por exemplo: a relação entre local e cosmopolita é uma se o tempo é pensado linearmente, quando se pode conceber um "padrão universal" como critério de julgamento dessa relação; já é outra se o tempo não é mais pensado nesse registro, mas num registro plural, que não comporta a adoção de um só padrão dito "cosmopolita" e, assim, "universal", em oposição ao "local". Por isso, o ensaio de Silviano é tão sugestivo. Ele tenta falar de uma temporalidade distinta desta moderna (e também colocá-la em operação).
Não por acaso, em outro lugar 52 , Silviano iria sugerir que lêssemos o Modernismo por um viés pouco usual, a saber, o da tradição, e não o da ruptura. Esta sugestão tem em vista, na verdade, o mesmo que a tematização feita de Euclides da Cunha e Lima Barreto em "Fechado para balanço". São tentativas de um outro tipo de história da literatura. São experimentações de temporalidades concernentes à literatura que não sejam fundadas, como a moderna, em linearidade, cronologia e sucessividade históricas. Por isso, passa a valer a pena recorrer ao passado como algo mais do que o prenúncio mal formulado daquilo que nós mesmos somos. Em vez de procurar no passado o mesmo que nos confirma ou o diferente que ao ser negado também nos confirma, trata-se, agora, de ir ao passado para achar nele o diferente que nos pode ajudar a responder problemas contemporâneos. O modo de apreciação de Silviano acerca de Euclides e Lima Barreto em seu ensaio é a melhor ilustração disso.
Nesse sentido, a postura de Silviano afasta-se daquela adotada pelo Modernismo. E, como Antonio Candido aproxima-se da postura modernista, também dele Silviano se afasta. Contudo, poder-se-ia encontrar uma relativização dessas relações de proximidade, no caso de Candido, e de distância, no caso de Silviano, numa famosa frase de Mário de Andrade, escrita em sua conferência O movimento modernista : "Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição" 53 . Talvez tomar certa distância do Modernismo, como os modernistas tomaram de tanta coisa para poderem instaurar sua força de ruptura, seja seguir-lhes justamente como lição, mas não como exemplo, o que cairia em uma anacrônica repetição de suas atitudes e posicionamentos. E mais: talvez essa distância possa chegar até a proporcionar um novo frescor em nosso contato com o próprio Modernismo.
A preocupação de Silviano, portanto, é a de formular novas maneiras possíveis de se fazer história da literatura, isto é, de experimentar a literatura. Em uma época como a nossa, na qual o modelo temporal moderno perdeu grande parte de seu vigor, uma tal preocupação pode ser muito importante. Ela nos abre portas para tentar indicar e construir caminhos outros que nos levem até a literatura. Com a vantagem de que, sem compromissos com planos de progresso ou evolução, também não estamos necessariamente tendo de aderir a um "padrão universal" que nos é oferecido. Essa nova perspectiva, que pode ser chamada de "pós-moderna" (desde que não se pense que isso ainda recai em um "pós" como um mero "depois", o que seria, ainda uma vez, extremamente moderno, pois seria acreditar em um tempo linear e sucessivo construído pela ruptura e pelo novo), oferece, por tudo isso, um generoso campo para a história literária, na medida em que aí não se concebe o passado como algo uno, mas sim como algo plural, virtualidade dotada de diversas possibilidades.
O problema é que sabemos, também, que de 1982, quando "Fechado para balanço" era escrito, para cá, muita água rolou debaixo da ponte. Entre essas águas, muitas foram as de um relativismo banalizado que, com os mesmos argumentos de Silviano, inundaram a discussão estética e cultural com uma verdadeira enchente de mediocridades. As valiosas aberturas oferecidas pela reflexão de Silviano, e de outros, foram aproveitadas, tantas e tantas vezes, para esconder a ausência de pensamento e a mais pura incompetência. Duas décadas depois do ensaio de Silviano, talvez este seja um dos mais duros problemas que temos de enfrentar: como não deixar que um movimento saudável de maior abertura para as experiências históricas com a literatura caia em puro relativismo trivial.
É possível que hoje, em 2003, precisemos não apenas adentrar as portas abertas por um Silviano Santiago. Talvez seja hora de adentrá-las, munidos com o espírito da estreiteza teórica e rigoroso trabalho conceitual de Antonio Candido. Assim como Silviano abriu passagens para impasses que encontramos na perspectiva moderna adotada por Antonio Candido, talvez estejamos em um momento no qual o gesto crítico mais estreito deste último possa ser valioso para que aproveitemos, sem cair em soluções fáceis e pobres, tais passagens.
Notas de Rodapé
* Dedico este artigo ao professor Renato Cordeiro Gomes, pela seriedade com que sempre pensou as questões moderna e modernista e pelas aulas - de inestimável importância para o desenvolvimento deste estudo - no curso "Da modernidade aos modernismos no Brasil", ministrado no segundo semestre do ano 2002 na PUC-Rio.
1 Mestrando em Filosofia na PUC-Rio.
2 Antonio Candido, "Literatura e cultura" - de 1900 a 1945, in: ---, Literatura e sociedade , São Paulo, T. A. Queiroz, 2000, p. 109.
3 Octavio Paz, La quête du présent , Paris, Gallimard, 1991, p. 55.
4 Id., ibid.
5 Octavio Paz, Os filhos do barro , Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 25-26.
6 Cf. Immanuel Kant, "Resposta à pergunta 'Que é esclarecimento'? ('Aufkärung)", in: ---, Textos seletos . Petrópolis, Vozes, 1985, p. 100-117.
7 A expressão é de Paz. Cf. por exemplo: Octavio Paz, Jornal do Brasil , Caderno B/Especial, Rio de Janeiro, 19 jun. 1988.
8 Antonio Candido, "Literatura e cultura - de 1900 a 1945" , op. cit., p. 113.
9 Mário de Andrade, "O movimento modernista", in: ---, Aspectos da literatura brasileira , São Paulo, Martins, p. 250.
10 Antonio Candido, "Literatura e cultura - de 1900 a 1945" , op. cit., p. 114.
11 Id., ibid., p. 115.
12 Id., ibid., p. 123.
13 Id. ibid., p. 117.
14 Silviano Santiago, "Fechado para balanço", in: ---, Nas malhas da letra , Rio de Janeiro, Rocco, 2002, p. 87.
15 Antonio Candido, "Literatura e cultura - de 1900 a 1945" , op. cit., p. 124.
16 Id., ibid., p. 109.
17 Id., ibid., p. 113-114.
18 Id., ibid., p. 110.
19 Id. , ibid., p. 121.
20 Id. , ibid., p. 126.
21 Antonio Candido, Formação da literatura brasileira , Belo Horizonte, volume 1, Itatiaia, 1993, p. 9.
22 Id. , ibid., p. 10.
23 Id. , ibid., p. 9.
24 Silviano Santiago, "Fechado para balanço", op. cit., p. 85.
25 Id. , ibid., p. 85.
26 Id. , ibid., p. 86.
27 Id. , ibid., p. 95.
28 Id. , ibid., p. 96.
29 Id., ibid., p. 97.
30 Octavio Paz, La quête du présent , op. cit., p. 59.
31 Id., ibid., p. 59.
32 Cf. Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro , São Paulo, Perspectiva, 1997, p. 32.
33 Id. , ibid., p. 32.
34 Id. , ibid., p. 40.
35 Octavio Paz, Os filhos do barro , op. cit., p. 190.
36 Octavio Paz, Caderno B/Especial, Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, 19 jun. 1988.
37 Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro , op. cit., p. 54.
38 Cf. Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro , op. cit., p. 28.
39 Octavio Paz, Jornal do Brasil , op. cit.
40 Silviano Santiago, "Fechado para balanço", op. cit., p. 100.
41 Id., ibid., p. 99.
42 Silviano Santiago, "Fechado para balanço", op. cit., p. 98.
43 Id., ibid.
44 Id., ibid.
45 Roberto Schwarz, "As idéias fora do lugar", in: ---, Ao vencedor as batatas , São Paulo, Duas Cidades, 1981.
46 Silviano Santiago, "O entre-lugar do discurso latino-americano", in: ---, Uma literatura nos trópicos , Rio de Janeiro, Rocco, 2000.
47 Silviano Santiago, "Fechado para balanço", op. cit., p. 100.
48 Id. , ibid., p. 100.
49 Id. , ibid., p. 101.
50 Id. , ibid., p. 85-86.
51 Id. , ibid., p. 101.
52 Silviano Santiago, "A permanência do discurso da tradição no modernismo", in: ---, Nas malhas da letra , Rio de Janeiro, Rocco, 2002.
53 Mário de Andrade, "O movimento modernista", op. cit., p. 255.
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