Gil Vicente em cena: 1998-2002

Disjunções e outras formas contemporâneas de desmembramento e reconstrução do diálogo entre O marinheiro de Fernando Pessoa e Anticleia ou os chapéus-de-chuva do sonho de Pedro Barbosa, um dramaturgo do Porto

Walder Virgulino de Souza
UNIRIO

Um pequeno prólogo que me surgiu diante do público

Imagens-lembranças, saídas do filme Porto de minha infância de Manoel de Oliveira 1 , que esclarecem sensações e pontos referidos no corpo de meu texto:

De saída, a casa em que nasceu o cineasta. Aparentemente, poderiam ter sido mostradas paredes fixas, palpáveis, que documentassem com fidelidade o que poderia ter restado da construção antiga, se é que ela existe até hoje (pormenor que, de propósito, não fica claro para o espectador). Mas, ao contrário, o que Oliveira parece preferir revelar, são "vagas" paredes, imagens distorcidas e emocionadas que fazem pensar numa casa que poderia ser aquela em que ele de fato nasceu. ou então, outras, imaginárias, essas casas eternas e frágeis, trêmulas paredes, correndo sempre o risco de desmoronar: as casas de nossas infâncias.

Noutra seqüência, a imagem mais inesperada e eletrizante. Do fundo de um parque, e é do parque que se está falando naquele momento, o narrador esclarece que o homem magro e elegante que estamos vendo, o "dândi" vivo que conversa e caminha entre amigos, é o poeta Fernando Pessoa.

O prólogo previsto

Antes de "tudo isto" que analisaremos a seguir, uma primeira apresentação (reapresentação, rememoração para alguns) dos personagens referidos no longo título desta minha comunicação.

Sobre o mais conhecido deles, O marinheiro 2 , de Fernando Pessoa, aparentemente pouco haveria a acrescentar. Todos de alguma forma já conhecem este misteriosíssimo marinheiro, cuja vida e posterior desaparecimento nos vêm sendo narrados, desde 1913, por uma das personagens-veladoras - a segunda veladora, para ser mais exato - do corpo de uma "donzela, de branco", sua irmã, que, em princípio morta, jaz, ao longo de todo o espetáculo, num caixão que se deve colocar sobre uma eça, no ponto central do palco.

Tentaremos rever, depois, algumas das conclusões correntes e muito aceitas, aliás, sobre a possível não-teatralidade de O marinheiro , "drama estático", segundo o autor - exemplo de um tardio simbolismo pessoano, escrito na madrugada de 11 para 12 de outubro de 1913, publicado só em 1915 na Orpheu nº 1 - e véspera-prenúncio dos textos eminentemente futuristas que aparecerão no segundo e último número daquela revista.

Sobre Anticleia , protagonista da "peça falada" de Pedro Barbosa 3 - foi assim que o próprio autor a rotulou: "peça falada"!. sobre Anticleia , poderíamos repetir a indagação que se faz Eróstrato, o personagem-título de outra de suas peças, "Eróstrato - rito teatral" 4 , editada em 1983: "Mas também porque me hei-de incomodar com que todos saibam quem foi ou deixou de ser Heróstrato? Se estivessem realmente interessados não poderiam ter-se informado antes de vir ver o espectáculo?" 5 Sejamos, no entanto, mais cordatos no que se refere à identidade da sutil Anticleia, até porque o autor, nesta sua outra peça, e com toda a razão, não precisa, pela natureza específica do texto, explicar com certeza quem tenha sido, no passado, a referida personagem. Mas por se tratar de informação útil às relações que desejo tecer e aprofundar aqui entre as situações concretamente desenvolvidas por Pedro Barbosa e as sugeridas "vagamente" por Fernando Pessoa, facilitarei, pelo menos desta vez, a resolução de um possível mistério que qualquer ouvinte pudesse criar também em torno do nome da personagem.

Anticleia é o nome da mãe-suicida de Ulisses, o herói grego da Odisséia , que, não acreditando mais na hipótese de que seu filho, partido há quase vinte anos para a Guerra de Tróia, pudesse ainda estar vivo e conseguisse um dia retornar à ilha de Itaca, pátria deles, opta por morrer no mar.

No Reino dos Mortos (no Hades), onde encontra sua mãe, esta lhe explica : "[.] mas os cuidados, ilustre Odisseu, por tua causa, e a saudade, com a ternura que a mim dedicavas, tiraram-me a vida" 6 .

Ao contrário de Penélope, esposa de Ulisses, de Telêmaco, o filho dos dois, de Laertes, seu pai, e da criada Euricleia que esperam, até ao fim da epopéia, o retorno do herói. Como sabemos, os deuses, sensibilizados quase que exclusivamente pelos méritos da perseverança e da fidelidade de Penélope, tornarão possível a Ulisses a felicidade da volta ao lar. 7 Mensagens invisíveis reanimam o casal e os mantêm continuamente corajosos.

Assim, esclarecida a identidade de Anticleia, consideramos desde já de fundamental importância que se dê atenção ao fato de existirem, no próprio mito grego, através das palavras de Homero, marcas da presença dessas três mulheres - Penélope, Anticleia e Euricleia - que aguardaram um dia, durante muitos anos, e cada uma a seu modo, o retorno de um provável Marinheiro.

Outros esclarecimentos que precisam ser fornecidos de imediato

PRIMEIRO: O significado da expressão que abre "O prólogo previsto" deste meu texto: "tudo isto", utilizada ao longo de suas peças, tanto por Fernando Pessoa quanto por Pedro Barbosa, isto é, todos os elementos concretos e abstratos de que necessito para tornar visíveis as diferentes imagens sugeridas pelos dois autores; representa o conjunto da criação teatral e engloba tudo aquilo, "isto" ou "tudo isto", portanto, que, em cena, ou provocado pela cena, se originou tanto das palavras ditas pelas personagens quanto das indicações cênicas. Inclusive tudo que espectadores e as próprias atrizes possam estar imaginando em silêncio e sem estarem, necessariamente, executando qualquer movimento. No meu entender, toda vez que as três veladoras de O marinheiro ou as três sonhadoras de Anticleia fazem referência a "isto" ou a "tudo isto", estão mostrando, de fato, o que seus respectivos autores ou encenadores entendem por teatralidade, justificando-se e definindo-se assim o espetáculo a que o público esteja porventura assistindo.

Como exemplo, façamos referência a três das inúmeras passagens de O marinheiro onde se evidencia a importância de "tudo isto" ou de "isto":

 

PRIMEIRA - Eu fui feliz para além de montes, outrora [.] Não sei o que isto tem de irreparável que me dá vontade de chorar. Foi longe daqui que isto pôde ser. [.] (p. 610, l . 20-23).

SEGUNDA - [.] Por que não será a única coisa real n isto tudo o marinheiro, e nós e tudo isto aqui apenas um sonho dele?. (p. 617, l . 7-8).

TERCEIRA (uma voz muito lenta e apagada) - [.] acordou alguém. Há gente que acorda. Quando entrar alguém tudo isto acabará. [.] Vai acabar tudo. E de tudo isto fica, minha irmã, que só vós sois feliz, porque acreditais no sonho. (p. 619, l . 1-6). [Os grifos são meus].

 

Importância análoga, em Anticleia , onde "tudo isto" parece apontar para a urgência de dramaturgos e encenadores contemporâneos de revelarem, teatralmente, para espectadores de hoje, aspectos ainda inexplorados do "sonho" ou de descidas milimétricas e vertiginosas "abismos" abaixo:

 

ANTICLEIA - [.] Se a vida é sonho, tudo [isto] não passa de uma criação do meu espírito. [.] O mundo sou eu! [.] Tudo quanto existe não passa de uma involuntária invenção em mim nascida. (p. 48, l . 11-24).

SEGUNDA SONHADORA - [.] Nunca deste contigo a pensar, por dentro de um sonho, se era de verdade sonho [tudo] aquilo que te sentias sonhar? [.] E não se desmoronava logo, com a tua dúvida, a realidade frágil desse sonho vivido? Não desabavam logo as paredes do cenário ? E não morrias tu dentro dele? [.] Mas tu és filha do Sonho. Nasceste do sonho de um poeta bêbado [Fernando Pessoa]. Não passas de uma personagem . E a agires assim [quereres duvidar de que é de teatro e de poesia de que se trata aqui e agora (acréscimo nosso)] mais não consegues ser do que uma personagem falhada! (p. 23, l . 9-33; p. 24, l . 1-2) [grifos são meus].

 

SEGUNDO: É fundamental que se mantenha em quaisquer encenações que venham a ser feitas, o mistério não esclarecido por Fernando Pessoa, a partir principalmente de sua insistência em não revelar a real identidade do Marinheiro, da donzela morta ou de suas três irmãs veladoras. Cuidado, aliás, totalmente respeitado no texto Anticleia ou os chapéus-de-chuva do sonho de Pedro Barbosa, onde o dramaturgo portuense propõe uma releitura bastante particular e uma evidente atualização teatral das questões metafísicas e filosóficas sugeridas ou discutidas pelo texto de Pessoa.

 

TERCEIRO: A presente leitura que proponho destes dois poemas dramáticos, um do início, outro do final do século XX, integra um projeto pessoal de pesquisa acadêmica, bastante amplo, que pretende pensar e refletir sobre o fazer teatral contemporâneo em geral, a partir do exame minucioso dos procedimentos utilizados por autores que se ligam, através de abordagens críticas, ao movimento simbolista. Neste meu projeto de pesquisa, incluo, no título, uma homenagem a Paul Klee: "A ordem dos mortos e dos não-nascidos: roteiros de um diálogo possível entre a criação teatral contemporânea e o movimento simbolista brasileiro e europeu." Explico a origem desta "ordem dos mortos e dos não-nascidos". Em seu livro sobre Klee, Susanna Partsch cita um texto que o pintor alemão utilizou para o catálogo de sua primeira grande exposição em Munique, onde expõe sua postura perante o ato criador:

 

Neste lado de cá , não sou nada de palpável, pois vivo tanto com os mortos como com aqueles que ainda não nasceram, um pouco mais próximo da criação do que é habitual, embora ainda não suficientemente perto. Será que emana calor de mim? Frio?? É impossível falar disto sem paixão. Quando estou mais longe é que me sinto mais piedoso. Por vezes, vejo-me, do lado de cá , um pouco malicioso. Isto são aspectos de um conjunto. Os padres não são suficientemente piedosos para o ver. E estes sábios ficam um pouco escandalizados. 8  [os grifos são meus]

 

Parte dessa frase tornou-se o epitáfio de Klee. E, como guia de minha leitura da Anticleia de Barbosa (e do projeto de encenação da peça, que estou desenvolvendo), tento reproduzir os diversos planos e espaços cênicos que Klee nos expõe em sua telas, como, por exemplo, em "Caminhos principais e caminhos secundários" 9 . A complexidade da pesquisa teatral pode ter toda esta riqueza de possibilidades.

Na pesquisa, pretendo revisitar textos antigos - aceitar humildemente desafios do tipo "estas peças não são teatrais" - vencer as hesitações e os medos que são tantos. e trabalhar muito. Estender aos alunos estas dificuldades. Três alunas-atrizes 10 é que me apresentaram este texto do contemporâneo Pedro Barbosa, em que penso, desde então, todas as horas de minha vida - há meses - aprofundando as ligações com O marinheiro , que instigou a criação de Anticleia . Estas três atrizes vivem a Primeira, a Segunda e a Terceira Sonhadoras da peça de Barbosa. Penso agora em propor aos alunos e estudar com eles outros projetos de montagens experimentais ou releituras contemporâneas de textos pouco conhecidos ou absolutamente desconhecidos, brasileiros ou estrangeiros, por parte de nosso público e principalmente por parte de jovens atores e encenadores brasileiros, que poucas oportunidades têm de exercitar a arte teatral, em nossas Escolas especializadas, a partir de um conhecimento efetivo de técnicas ou de procedimentos não-realistas. Nossa comunicação de hoje toma como ponto de partida conclusões a que cheguei com referência às ligações existentes entre algumas imagens e as situações dramáticas sugeridas pelas didascálias ou pelos diálogos dessas duas peças portuguesas.

 

QUARTO: De uma peça a outra, alargam-se as didascálias ou indicações cênicas referentes à ocupação do espaço cênico e seus significados.

No início de O marinheiro , Pessoa fornece a seus leitores um exemplo repleto de minúcias daquele tipo de indicação cênica que Sandra Golopentia denomina "prelúdio didascálico" 11 . Concentremo-nos na análise de alguns dos elementos descritivos ali contidos:

Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao centro ergue-se sobre uma eça, um caixão com uma donzela, de branco. Quatro tochas aos cantos. À direita, quase em frente a quem imagina o quarto, há uma única janela, alta e estreita, dando para onde só se vê, entre dois montes longínquos, um pequeno espaço de mar.

Do lado da janela velam três donzelas. A primeira está sentada em frente à janela, de costas contra a tocha de cima da direita. As outras duas estão sentadas uma de cada lado da janela.

É noite e há como que um resto vago de luar. 12 

 

Tendo em vista a riqueza e exatidão dos elementos acima sugeridos, insistiremos, por exemplo, nas possíveis repercussões que haveria caso nos guiássemos, em nossa leitura, não pelas indicações do autor, mas pelas conclusões de alguns de seus contemporâneos. Dizem eles, por exemplo, guiados talvez pela prática comum em velórios, que as três donzelas rodeiam o corpo da irmã. Segundo Pessoa, como vimos, elas devem, ao contrário, estar situadas "à direita"; velam a irmã mas se distribuem num perfeito triângulo, construído em torno da alta e estreita janela referida. E a didascália é exata: "A primeira está sentada em frente à janela, de costas (grifamos) contra a tocha de cima da direita."

A precisão do autor é cheia de significados e deve ter a mesma força da certeza com que ele afirma e fornece os primeiros elementos para que se torne possível o diálogo que deve querer manter com seu leitor ou com o provável e potencial espectador do espetáculo que imagina: "Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao centro, etc. À direita, etc. As outras duas [.] uma de cada lado da janela", até, finalmente, sentir-se o autor preparado para fornecer as únicas indicações temporais ou referentes à forma de iluminação que se deve dar a este prelúdio de espetáculo: "É noite e há como que um resto vago de luar" (grifamos). E estamos tão distantes da possibilidade de sol ou de um amanhecer e de quaisquer afirmações de certeza, que, além de o poeta ressaltar a importância do tal "resto vago de luar" e da indiscutível noite, propõe para as três primeiras falas das três veladoras/ aparentemente vivas/ uma seqüência de vários "nãos": "Ainda não deu hora nenhuma [.] Não se podia ouvir. Não há relógio aqui perto [.] Não, o horizonte é negro."

Por outro lado, gostaríamos, antes mesmo de mostrar a importância, para a compreensão do "drama estático" de Pessoa, da colocação do caixão da donzela no ponto central do palco (representando um quarto "que se vê que é circular"), de chamar a atenção do ouvinte, desde já, para o fato de eu ter colocado em dúvida, duas vezes (e evidentemente brincando com tal hipótese - ou dando-lhes a impressão de que estou brincando?), se a referida donzela está de fato morta ou se as três veladoras, suas possíveis irmãs, estão verdadeiramente vivas. Neste particular, a simples constatação de que uma determinada personagem da peça é capaz de falar, não deve nos dar a certeza de "quem" possa ser o legítimo dono da voz que estamos ouvindo falar. Começa aqui a questão das disjunções ou dos desdobramentos a que faço referência em meu título e que constituem um dos princípios básicos do método teatral de Fernando Pessoa, a que Pedro Barbosa se mantém fiel e reconstrói a seu modo. Quase ao final da peça, poucos minutos antes de a luz do dia, como que subitamente, aumentar, a Primeira Veladora de Pessoa diz às outras duas:

 

[.] O que é entre nós que nos faz falar prolonga-se demasiadamente. Há mais presenças aqui do que as nossas almas. O dia devia ter já raiado. Deviam já ter acordado. [.] Falai comigo, falai comigo. Falai ao mesmo tempo do que eu para não deixardes sozinha a minha voz.Tenho menos medo à minha voz do que à idéia da minha voz dentro de mim, se for reparar que estou falando.

[.]

TERCEIRA [VELADORA] - Que voz é essa com que falais?. É de outra. Vem de uma espécie de longe . " 13   [Grifos nossos].

 

Pessoa insiste em separar a voz e o corpo da pessoa visível, aquela que, em princípio, estaria falando. A voz que o público acabou de escutar seria, de verdade, da Primeira Veladora? Ou viria de "outra."? Vem de uma espécie de longe!!! (Cf. citação da frase de Klee.) Lembra muito, também, a recente seqüência da Voz do filme Mullholland Drive de David Lynch. Importante: atenção ao indefinido "outra" seguido de reticências. sem a Terceira dizer se é de "outra" pessoa (de um homem, por exemplo, do Marinheiro!) ou a voz da outra irmã, da irmã morta, talvez. Os mortos podem, então, naturalmente, falar, vindo a sua voz de "uma espécie de longe"? Pergunta que deixo em aberto e de que Pedro Barbosa tirará muito proveito.

A Segunda Veladora acabara, havia pouco, de contar às irmãs o sonho que tivera, um dia, com O marinheiro , aquele que, vítima de um naufrágio, se perdera numa ilha longínqua, onde passou a viver. "Como ele não tinha meio de voltar à pátria, e cada vez que se lembrava dela sofria, pôs-se a sonhar uma pátria que nunca tivesse tido. Inventa, a partir daí, "uma" outra espécie de país com outras espécies de paisagem, e outra gente, e outro feitio de passarem pelas ruas e de se debruçarem das janelas [.]" 14  "E assim foi construindo o seu passado. Breve tinha uma outra vida anterior." 15 

O mistério sobre o marinheiro está instaurado. Quem seria? Poderia existir alguma ligação entre este marinheiro sonhado e a donzela morta ou com esta segunda veladora que o sonhou? Principalmente depois que ela nos comunica um estranho fato: "[.] Veio um dia um barco, e passou por esta ilha, e não estava lá o marinheiro." A Terceira imagina que talvez tivesse regressado à Pátria. mas a qual? A Primeira concorda: "Sim, a qual? E o que teriam feito ao marinheiro?" 16 E a pergunta ficou para sempre sem resposta.

O que de fato nos importa nas cenas que queremos criar numa encenação desta Anticleia que dialoga com O marinheiro de Fernando Pessoa, é que se pudesse estabelecer, com segurança, onde termina o Sonho e onde começa a Realidade; ou então onde começa a Vida e onde termina a Morte. Mas é exatamente a inviabilidade de qualquer resposta que torna preciosa a possibilidade oferecida ao dramaturgo Fernando Pessoa ou a Pedro Barbosa de proporem, a partir daí, aos espectadores de diferentes épocas, todos os tipos de jogos teatrais que julgarem necessários.

Pessoa vai entrelaçando os sentimentos e as dúvidas das personagens com as que possam ter seus espectadores. Para conseguir tal efeito, utiliza de forma personalíssima (no que é seguido por Barbosa) os diferentes procedimentos da disjunção que os dramaturgos simbolistas tinham começado a popularizar 17 .

 

Notas de Rodapé

1 O filme de Oliveira, produção de 2001, foi lançado em Paris, na categoria "documentário", na sala Racine Odéon, na semana de 6 a 12 de fevereiro de 2002. Porto de mon enfance , filmado em cores, tem duração de uma hora e conta com a participação dos atores Jorge Trepa, Ricardo Trepa, Maria de Medeiros e do próprio Manoel de Oliveira. Dizia o material de propaganda do filme que "no Porto, o diretor revê, mesmo se ela desapareceu, sua casa natal, o Palácio de Cristal, sua pastelaria preferida, sua prima, sua família. Graças a sua memória e a seu talento de cineasta, filma e faz existir o que não existe mais, oferecendo ao passado um lugar privilegiado".

2 Fernando Pessoa, " O marinheiro ", in: ---, Obra poética , Rio de Janeiro, Ática, 1976, p. 609-619.

3 Pedro Barbosa, Anticleia ou os chapéus-de-chuva do sonho , Lisboa, Sociedade Portuguesa de Autores, 1992, (Repertório da SPA, Volumes Publicados, 2ª série, nº 17).

4 Idem, Eróstrato-rito teatral (Prêmio Originais de Teatro Seiva, Trupe, 1983), Coimbra, Centelha, 1983, (Coleção Teatro/Centelha, nº 14).

5 Id., ibid., p. 19.

6 Homero, Odisséia , (Canto XI), trad. Carlos Alberto Nunes, Rio de Janeiro, Edições de Ouro, s.d., p. 188.

7 Ver a esse respeito o capítuloVII, " La Communication " (p. 189-203) do ensaio de Roger e M. Alain Peyrefitte, Le mythe de Pénélope , Paris, Gallimard, 1949, (Col. Les Essais XXXI).

8 Paul Klee citado por Susanna Partsch, no livro Paul Klee (1879-1940), edição em língua portuguesa com tradução da Casa das Línguas Ltda. de Colônia [Alemanha], 2000, p. 7.

9 Reprodução desta tela pode ser vista no livro de Susanna Partsch, p. 62.

10 As atrizes Verônica Bello de Castro, Andreia Carla Teixeira de Moraes e Daniela Piveta são minhas alunas na Escola de Teatro da Universidade do Rio de Janeiro - UNIRIO, onde integro o Departamento de Teoria do Teatro.

11 Sandra Galopentia, "Jeux didascaliques et espaces mentaux", in: Monique Martinez Thomas (éd.), Jouer les didascalies/Théâtre Contemporain Espagnol et Français , Toulouse, Presses Universitaires du Mirail, 1999.

12 Fernando Pessoa, op. cit, p. 609.

13 Fernando Pessoa, op. cit . , p. 617, l . 27-36.

14 Id. , ibid. , p. 613, l . 35-40.

15 Id. , ibid. , p. 614, l . 43-44.

16 Fernando Pessoa, op. cit.; p. 615, l . 35-38.

17 Ver, a esse respeito, o que esclarece Odette Aslan, em seu livro L'acteur au XXe siècle , Paris, Seghers, 1974, p. 101.