Gil Vicente em cena: 1998-2002

As "Partes d'Além" e os "Pomares de Oriente": sinais do Império no teatro de Gil Vicente

José Augusto Cardoso Bernardes
Universidade de Coimbra

1. No termo de uma das mais alongadas e acesas polémicas da história literária portuguesa, Anselmo Braamcamp Freire fazia vingar a tese de que Gil Vicente, aquele que, no Prólogo do Auto pastoril português é identificado como fazedor d' "os aytos a el-rey", teria sido também ourives, ao serviço de d. Leonor de Lencastre. As provas apresentadas estavam longe de ser conclusivas; mas nem isso impediu que esta posição se tornasse praticamente consensual. Hoje, à distância de um século, pode parecer estranho que uma ideia documentalmente improvada tivesse obtido uma consagração tão ampla, sobretudo se nos lembrarmos de que estávamos num tempo (inícios do século XX) em que só o documento funcionava como garantia de verdade. Deverá então admitir-se a existência de razões especiais para que a chamada "tese da identidade" tivesse beneficiado de um acolhimento tão favorável. Tentemos encontrar algumas. Recorde-se, em primeiro lugar, o descrédito em que o próprio biografismo veio a incorrer no seio dos estudos literários e dos estudos históricos, em geral. Depois de, conjuntamente com outros factores contextuais, ter desempenhado papel central na investigação histórico-literária, o problema da biografia tornou-se ocioso; e, por via desse desinteresse, a questão da vida e do envolvimento contextual de Gil Vicente como que adormeceu praticamente até aos nossos dias. É certo que a maioria do público, hoje como ontem indiferente às tendências académicas, não desiste de conhecer a vida das grandes figuras; mas essas informações apareciam certificadas pelo carisma de probidade de um investigador com provas dadas em tantos outros campos da história e da literatura. Tudo concorria, pois, para que se desse por certa a possibilidade de Gil Vicente, o protegido especial da rainha d. Leonor, ter sido, em simultâneo, "Trovador" e "Mestre da Balança". 1 Para além das orientações da própria história literária, porém, é provável que exista, pelo menos, outro motivo para que tese tão insólita se tivesse imposto. De facto, vivia-se em Portugal (como na Europa, em geral) o processo de estabelecimento do cânone literário, e Gil Vicente surgia, desde logo, como pedra angular a ter em conta nesse mesmo processo. 2 Depois de terem sido redescobertos, na sua globalidade, a partir da edição de Hamburgo (1834), os autos começaram imediatamente a ser lidos em duas direcções: como marco fundador de uma tradição teatral que se procurava reavivar (vão nesse sentido, sobretudo, os esforços de Garrett) e como o testemunho "vivo" e "fiel" do primeiro terço do século XVI, ao qual, por norma, se faz corresponder o período de "esplendor imperial". Ora, ao atribuir-se a Gil Vicente, o dramaturgo, também a autoria da Custódia de Belém, mandada lavrar por d. Manuel no primeiro ouro trazido de Quíloa (segunda viagem de Vasco da Gama, em 1503), conseguia-se, na prática, um efeito duplo: impunha-se a uma admiração ainda maior o talento abrangente do artista; e, sobretudo, associava-se o seu nome à gesta da Expansão, o que, na época, constituía a porta mais segura para aceder ao Panteão das glórias nacionais.

Em relação à sociedade saída dos Descobrimentos, Gil Vicente era então o "retratista" que faltava. Não admira, nessa medida, que figure, com Camões (a outra grande redescoberta do Romantismo e da erudição republicanas), em plano de estreita associação: ora como complemento ora como contraponto, consoante os autos em apreço: na mesma linha de enaltecimento épico da Expansão ou num contexto de denúncia dos males sociais e morais dela provenientes. De qualquer modo, os autos não mais deixaram de ser dissociados, em parte ou totalmente, do fenómeno expansionista e de tudo o que o envolve em termos sociais e mentais. Assim têm sido lidos por parte dos historiadores, que não enjeitam a possibilidade de invocar situações e personagens para convalidar asserções de carácter histórico-social; mas assim têm sido apreciados também por parte dos estudiosos de literatura e do teatro, que tão-pouco resistem a tomar as peças como reportagens especulares dessa mesma realidade multímoda e grandiosa. E também aqui não surpreende que assim seja: trata-se de, pelo impacto da "verdade", suprir os efeitos de distanciamento que os textos vão suscitando no leitor comum, em termos linguísticos e estéticos. Servidos por registos de língua hoje sentidos como "estranhos" e "difíceis" e por códigos artísticos tidos por "primitivos", os autos de Gil Vicente (em particular os que vêm integrando os programas escolares) têm vindo a ser sistematicamente apresentados como o "reflexo" de uma determinada realidade histórica. O intuito é o de, aos olhos de alunos e professores, os tornar mais "próximos" e mais "autênticos". Como se a mais-valia da autenticidade, reportada a um período muito especial, pudesse constituir uma base de legitimação e um acicate de leitura.

Dessa situação e do aproveitamento que dela sempre fizeram os programas escolares, resulta, inevitavelmente, um processo de redução que se traduz em numerosos lugares-comuns, ditados pelas conveniências dos tempos, que sempre reconstituem e amoldam a realidade dos factos. São eles que aparecem nos livros, graficamente realçados, como se se tratasse de uma ossatura central. Deles é depois feita a memória (necessariamente rarefeita) que os leitores conservam do autor e dos textos. E todos sabemos como uma ideia feita pode constituir um empecilho ao aprofundamento ou à revisão de um problema. Desde logo, porque resulta, ela própria, de um entendimento basilar, gerador de muitos outros pressupostos: colocá-la em questão equivale, pois, muitas vezes, a uma desestruturação de discursos e práticas pedagógicas instaladas; o risco excede até o mero plano prático, para se colocar em termos éticos. De facto, nas ideias institucionalmente acomodadas não deixa de existir sempre qualquer coisa de justo e de verdadeiro. É decerto nessa base que muitos lugares-comuns chegam a alcançar o estatuto de intocabilidade, quase se eternizando no conceito geral.

O que sucede com a chamada "perspectiva vicentina da expansão" não se afasta desse figurino. Na medida em que se acredita que os autos transcrevem a sociedade da época, a tendência será para ver neles um reflexo do mais importante fenómeno social e político do primeiro terço do quinhentismo português, em termos de figuras, situações e atitudes mentais. Não têm faltado, sequer, exercícios de inventário tendentes a demonstrar que Gil Vicente teria moldado o seu teatro a partir da observação directa dessa mesma realidade. Há que reconhecer que o poder de sedução dessa perspectiva é imenso, tocando, no fundo, a possibilidade de demonstrar a utilidade da literatura. Só assim se explica que tenha atravessado, sem contradita, a crítica romântica, republicana e estadonovista, desaguando na visão marxizante (que um nome tão influente como o de António José Saraiva perfilhou num determinado momento 3 ). Assim se explica que essa mesma perspectiva continue ainda a ecoar fortemente nos nossos dias: por alguma desatenção crítica; mas, sobretudo, por força da dificuldade em encontrar uma imagem de marca alternativa, sem a qual a força do impacto canónico corre riscos de diluição.

Para além de tudo, não é fácil negar que Gil Vicente observou o seu tempo e deu testemunho dessa observação. Nesse sentido, será sempre difícil fazer dele um artista da evasão; o que está em causa é, apenas, evitar leituras unilaterais, orientadas no sentido de extrair posições definidas acerca de todos os dilemas sociais e ideológicos da época, situando a arte de Gil Vicente ao mesmo nível de fontes não-literárias, como as crónicas ou a chamada "literatura de conselhos", por exemplo. 4  A ideia de que nada poderá ter existido de relevante, em termos sociais e políticos que não tenha originado opinião, crónica e análise social por parte do dramaturgo resulta pois, em última análise, de um erro de perspectiva. 5 Está fora de dúvida que o corpus vicentino encerra abundantes indícios de natureza sociomental; e é evidente que ele deve constituir objecto de atenção para qualquer estudioso dessa realidade histórica. Mas é também indiscutível que essa dimensão se não oferece de forma imediata, requerendo vários cuidados de análise. Interrogar os autos na esperança de neles encontrar sinais de uma visão do Império, por exemplo, equivale a equacionar o entendimento global dos textos. Não se trata, apenas, de neles confirmar a presença de ecos temáticos de circunstância. O que está agora em causa é ver o plano em que se inscrevem esses mesmos sinais: se num plano principal e estruturante - o que faria de algumas peças uma tentativa de duplicação da rea­lidade histórica; ou se devemos antes situá-las num plano acidental, o que pressupõe a absorção de referências histórico-sociais por parte de estruturas artísticas, sob graus de intensidade muito diferenciados. Sob este prisma de análise, está em questão, por exemplo, saber se a presença do negro em alguns autos vicentinos traduz um objectivo de figuração sociológica, a ser lido como fonte de análise credível pelos historiadores da matéria; ou se se trata mais de refundição literária de uma realidade epocal, mediada por convenções e códigos técnico-dramáticos, que só indirectamente conduzem à rea­lidade social. E o mesmo se poderia dizer a propósito do escudeiro parasitário ou do rústico desenraizado que aspira à promoção na pirâmide social. Isto para falar apenas de figuras que costumam ser conotadas com a dinâmica resultante da Expansão.

O facto de estes cuidados elementares terem sido muitas vezes descurados obriga a que se reveja o problema da figuração vicentina do Império. E justifica-se ainda, correlatamente, uma apreciação abrangente da temática da Expansão em todo o teatro do século XVI, em geral. Falo , sobretudo, do teatro de pendor realista, centrado em figuras e situações, como é o caso de Ribeiro Chiado ou Jorge Ferreira de Vasconcelos. Por agora, porém, o meu intuito é bem mais singelo. Trata-se de invocar alguns dos lugares-comuns já instalados para os questionar a uma outra luz. Tomando como base textual os autos que mais vezes são constituídos como fundamento desses mesmos postulados, procuraremos ver até que ponto eles se encontram saturados de interpretações especulares, reclamando uma aproximação mais estética e menos historicista.

 

2. Uma ideia bastante comum é a de que Gil Vicente teria sido um entusiasta da guerra de cruzada, incentivando-a de forma expressa na Exortação da guerra e indirecta na Barca do Inferno . Nessa mesma linha, a imagem célebre de Portugal como "alferes da fé" ( Auto da fama ) pode ser combinada com o ethos cavaleiresco, que surge em algumas comédias ( Amadis , Dom Duardos e Rubena ), como forma de encarecer os ideais e de sublimar os impulsos menos nobres. No Auto da Lusitânia , por exemplo, Portugal surge em forma de caçador e cavaleiro que conquista o coração da bela Lusitânia (filha rebelde do Sol e da ninfa Lisibeia), vencendo nessa contenda a Mercúrio, o deus do comércio. E nessa hierogamia fundadora parece também assentar a preferência por um destino expansionista - aquele que se concretiza em função de ideais e não de interesses.

Mais do que em qualquer outro auto, porém, a imagem de Gil Vicente como detractor da expansão asiática estaria patente no Auto da Índia : aí se denuncia o comportamento dos marinheiros ambiciosos, que vão ao rio de Meca para pelejar e roubar , não contando já com as consequências nefastas que advêm dos longos apartamentos conjugais a que obrigavam as viagens para o Oriente. Nesse sentido se interpreta a cena da tempestade marítima que consta do Triunfo do Inverno , durante a qual um piloto de Alcochete evidencia a sua impreparação para conduzir a nau até aos baixos de Cochim.

Num plano mais geral, pode ainda colher-se a ideia síntese que dá o dramaturgo quase irmanado com Sá de Miranda na defesa da sociedade telúrica e estamental, assumindo-se como crítico da ambição burguesa, personificada na figura do comerciante interesseiro (reverso do cavaleiro generoso) ou ainda na figura do rústico que troca a solidez ancestral das suas raízes pela miragem de uma promoção social e económica, supostamente facilitada pela aproximação a Lisboa e à corte. Nesse sentido, a expansão surgiria no teatro de Gil Vicente (como surge nas cartas de Miranda) como séria ameaça à moral conservadora, traduzindo-se os seus efeitos pela insatisfação geral, pelo depauperamento axiológico e por todos os desconcertos que daí resultam. 6 Uma das formas mais recorrentes de exprimir essa visão consiste no conflito entre gerações diferentes: os mais novos movidos pela vida fácil e fantasiosa, e os mais velhos persistindo nos valores do trabalho e da moral tradicional. Com maior ou menor evidência, é essa a disputa que aflora em peças como Quem tem farelos? , Inês Pereira , Juiz da Beira, Lusitânia ou Almocreves, onde o Portugal novo renega o Portugal velho, recusando-se a ouvir as suas repreensões e a seguir as suas pisadas, numa atitude de clara ruptura moral. O contraste é de tal ordem que pode imaginar-se um Gil Vicente enquistado e reactivo, convencido de que a mudança (qualquer mudança) significaria uma ameaça à ordem e, por via dela, à própria existência de Portugal.

 

Com algumas variações de ênfase, são esses os tópicos que mais vezes se invocam a propósito de um suposto posicionamento de Gil Vicente relativamente ao fenómeno da Expansão. 7 E compreende-se o impacto e o favor de que têm desfrutado: não esqueçamos que essas posições servem de apoio a uma linearidade narrativa que associa factos históricos e interpretações de textos, esquematiza alinhamentos, separa claramente quem estava contra e a favor de uma ou de outra orientação concreta. Numa palavra: apresentadas assim, com meridiana clareza, essas posições satisfazem a curiosidade de todos e, sobretudo, permitem a integração do dramaturgo no emaranhado de correntes que, a propósito desse tema, se confrontavam na corte.

O próprio facto de, ainda no século XIX, Gil Vicente se ter convertido num clássico faz dele um alvo muito apetecido por todos os que estudam a realidade de Quinhentos, seja qual for o ângulo adoptado. Não se pode esquecer, designadamente, que mais do que através de qualquer manual de História, muitos portugueses entram na "realidade" do século XVI pela mão do dramaturgo. Como não se podem esquecer as próprias vias de canonização da figura do dramaturgo: desde o Romantismo, que nele viu essencialmente o genial intérprete das energias populares da Idade Média; e do Republicanismo, que o celebrou num plano patrimonial (pela Língua) e ideológico (sobrevalorizando, nomeadamente, a sátira anticlerical); até ao Regime do Estado Novo, que o concebe ainda como observador e participante, ele próprio, num processo histórico de grandezas, decisivo para a configuração da memória e da identidade nacionais. Por outras palavras: é perfeitamente compreensível que a ligação de Gil Vicente com o primeiro terço do século XVI tenha favorecido a imagem do escritor como participante especialmente credenciado desse mesmo período. Como se ele estivesse em condições privilegiadas de responder a todas as grandes questões identitárias que se foram colocando aos portugueses ao longo dos dois últimos séculos.

 

Será então impossível detectar, no teatro de Gil Vicente, uma mensagem estruturada e coerente acerca do fenómeno da Expansão? Parece-me, de facto, insensato acalentar ilusões a tal respeito. Entende-se que essa perspectiva venha sendo alimentada pela Escola, particularmente atreita a transformar os escritores em Legado , no sentido monumental e estático que a palavra implica. Fora dessas coordenadas, porém, os textos vicentinos tornam-se imediatamente mais rebeldes em relação a posições de carácter cívico e político.

Tal não significa, evidentemente, a neutralização sistemática dos indícios histórico-sociais. Mas esses indícios não devem impedir-nos de reconhecer a obra vicentina como construção artística, vinculada a uma intencionalidade muito própria, que resulta dessa mesma natureza. Foi como Arte que o teatro vicentino foi produzido e circulou no seu tempo, associado a um conjunto de ritos e práticas conviviais de natureza verbal e não-verbal. Outro cuidado que se impõe relaciona-se com a extensão e a sintaxe dos autos vicentinos: de facto, a Copilaçam constitui uma obra , no sentido redondo e coeso da palavra; não se trata apenas de um somatório de peças avulsas, escritas e representadas ao sabor das circunstâncias e, como tal, aproveitáveis no mesmo registo pontual e fortuito, para simples ilustração de análises ou intuições de base histórica. Pode aduzir-se, em síntese, que o ideário vicentino (com todas as reservas necessárias ao uso desta expressão):

A - deve ser aferido no plano da Arte, substrato principal de toda a Copilaçam , em termos de forma e de conteúdo;

B - deve reconstituir-se a partir do conjunto dos autos, considerados na sua linearidade e nas relações dialógicas que estabelecem entre si.

 

A adopção desses dois princípios deriva de coordenadas éticas e metodológicas e implica consequências decisivas, em termos de compreensão da obra vicentina. Conduz, designadamente, a uma reapreciação de algumas das linhas de sentido que tenho vindo a referir. Não está em causa, evidentemente, nenhuma tentativa de segregação da dramaturgia vicentina pelos estudos literários ou teatrais. Muito pelo contrário. O conhecimento do autor e da sua obra só pode beneficiar com cruzamentos multidisciplinares, que considerem conjugadamente os diferentes planos em presença. Dessa forma (e penso que só dessa forma), torna-se possível a superação das visões fechadas e parcelares que ainda hoje subsistem acerca de Gil Vicente, nas diferentes áreas que o tomam por objecto de estudo, dos estudos literários aos estudos teatrais, da história da arte à história económica e social e à história das mentalidades. 8 Não podem, pois, ser questionados o interesse e o proveito de que se reveste um processo de alargamento que a todos beneficia. Mas não pode deixar de se chamar a atenção para um aspecto essencial: o de que Gil Vicente foi um homem de teatro do primeiro terço do século XVI. E essa precisão não é nem ociosa nem tautológica. Pelo contrário: obriga a aproximações multidisciplinares, pressupondo também a observância de uma determinada hierarquia dos diferentes planos em análise. Implica ainda, por fim, que esses planos sejam considerados em contexto histórico. Nesse sentido, ainda mais desajustado do que submeter os textos de Gil Vicente a uma análise exclusivamente retórico-discursiva, é menosprezar essa mesma dimensão, absolutamente central na dramaturgia da época (muito mais do que em períodos imediatamente anteriores ou imediatamente posteriores). E isso em nome de visões de performatividade que não encontram, no caso, uma tradução segura.

 

Um dos aspectos que requer atenção extraliterária é, desde logo, o problema das circunstâncias que balizam a acção do dramaturgo na corte régia. 9 É claro que o teatro de Gil Vicente poderia, sem surpresa, ter-se esgotado nessas mesmas circunstâncias; no limite, a sua fortuna poderia ter-se saldado pelo destino precário das impressões "pelo meúdo" que se faziam dos autos, antes e depois das duas edições quinhentistas (1562 e 1586) e entre estas e a primeira edição moderna de 1834. Foi essa a sorte de outros autores e de outros textos dramatúrgicos do século XVI. Mas não foi assim com o artista de d. Leonor de Lencastre. Para além de ter inscrito as suas peças no ciclo convivial da corte, afectando-as aos grandes marcos sagrados e profanos desse microcosmos social, Gil Vicente nunca perdeu de vista o desígnio de celebrar e justificar o poder régio através das Letras, de inscrever esse mesmo poder no horizonte do Bem e da Justiça. Nesse sentido, consagrou expressamente a sua obra ao rei, não só através da celebração dos fastos da família real, mas também da representação das tensões axiológicas próprias daquele mesmo espaço político, recorrendo a comportamentos tipificados e a caricaturas expostas ao riso e à repreensão. E não se tratou apenas de uma manifestação episódica, neste ou naquele auto; a totalidade concatenada da sua obra acabou por ser coligida e endossada ao monarca, em vários momentos, sob o desígnio de perenidade: na muito impressiva didascália do Dom Duardos (que excede o plano particular daquele auto, para abranger a globalidade das peças, em termos retrospectivos e prospectivos) e na dedicatória global, plena de significados que se situam muito para além da retórica inerente a esse tipo de paratextos. 10

Não há dúvida de que existe em Gil Vicente uma intenção expressa de caucionar o Poder, de o legitimar em termos mitográficos como se pode ver em Lusitânia , Divisa da cidade de Coimbra ou ainda na parte final do Triunfo do Inverno e do Verão. 11 Chega a ser a muitos títulos interessante o quadro em que se opera essa tentativa de legitimação. Não se trata, desde logo, de invocar as referências greco-latinas, ao gosto humanista; o que predomina são as coordenadas fantasistas de base folclórica. 12 E, talvez por isso, essa circunstância tem passado um tanto despercebida. É também a esse nível que o problema da Expansão e do Império deve ser equacionado no teatro de Gil Vicente: evitando tomar os textos como realidade mimética em relação aos factos históricos e às atitudes mentais que os suportam; mas também sem esquecer os compromissos do dramaturgo com o rei, de quem dependia e a quem celebra e louva sistematicamente.

 

3. A essa luz (feita de várias tonalidades) partamos então para um breve exame dos cinco textos concretos ( Barca do Inferno , Exortação da guerra , Índia, Triunfo do Inverno e Fama ) que mais de perto implicam os grandes destinos da Expansão portuguesa: a África e a Índia. Vejamos como nesses autos se configura um conjunto muito diferenciado (quase contraditório) de atitudes e valores, em termos históricos e em termos artísticos. Vejamos ainda, por fim, como a leitura das cenas não dispensa procedimentos de integração literária e teatral. 13

 

As "Partes d'Além"

Comecemos pela Barca do Inferno e pela entrada dos quatro cavaleiros de Cristo mortos em Marrocos, directamente acolhidos na barca celestial, depois de se terem recusado a dialogar com o Diabo ("Morremos nas partes d'Além/ e não queirais saber mais"). Como interpretar a cena, sempre tão cara a alguns espíritos e tão incómoda para outros? 14  Deve reduzir-se a leitura à apologia de uma orientação expansionista concreta, como tantas vezes tem sido feito, em contexto de análise histórico-mental? Ou poderá o exame de algumas coordenadas estéticas conduzir a outra conclusão? Exploremos a segunda hipótese e lembremo-nos, em primeiro lugar, de que estamos perante uma Moralidade , género do teatro medieval que se caracteriza essencialmente pela representação alegórica e pela extrema oposição axiológica (Bem vs. Mal). Examinemos depois a sintaxe interna do próprio auto verificando que, no desfile, os cavaleiros são precedidos por um conjunto amplo e organizado de pecadores, recobrindo as mais diversas faltas (Orgulho, Usura, Concupiscência, Venalidade, etc.). Entrando em linha de conta com esses parâmetros, os cruzados de África deixam de valer apenas por si mesmos, para servirem de contraponto aos que vão para o Inferno (todas as outras personagens desfilantes, com excepção do Parvo Joane): uns condenados pelo apego ao Ter e ao Poder; outros redimidos pela entrega generosa da vida. É essa, de resto, a oposição fundante da moralidade cristã, enquanto género. É certo que, no auto, a concretização dessa dicotomia se prende com as circunstâncias da sociedade portuguesa, envolvendo, por um lado, a alienação dos condenados, corrompidos pelas seduções do mundo e, por outro, a renúncia dos cavaleiros a essas mesmas seduções. É certo ainda que o martírio nas "Partes d'Além" significava, por si só, um horizonte de redenção escatológica. 15 E também é verdade, por fim, que esse mesmo contraponto, que noutros casos se limita à abstracção alegórica, assume aqui um significado político-social muito concreto. Mas nem isso autoriza a que a cena possa ser lida como defesa estrita, fundada e consciente das guerras de Marrocos. Antes dessa dimensão conjuntural, claramente destinada a reforçar o efeito de verosimilhança junto do público imediato, importava a Gil Vicente a oposição típica da Moralidade . O dramaturgo trabalhou com base nos preceitos do género e a vertente sociopolítica parece surgir, sobretudo, por incorporação ou acoplamento. Destacá-la do quadro artístico que a subordina, hipertrofiando a sua importância e conferindo-lhe um valor autónomo e uma linearidade de proselitismo só pode resultar, portanto, de uma interpretação esteticamente defasada.

O que muitas vezes ocorre, a propósito dessa peça, como de outras, é um processo de leitura estritamente focalizado na temática da expansão. Por outras palavras: o que sucede é que a interpretação do auto (de todo o auto) se subordina ao desejo de saber qual é a posição que nele se espelha a propósito de uma determinada matéria social e política. Nessa mesma senda, as personagens condenadas constituiriam a larga maioria da sociedade portuguesa que, surdas aos apelos da guerra justa, se enleavam nas teias do pecado. E o apelo aparecia consubstanciado na última cena, verdadeiro exemplo de "morte boa", exposto, aliás, na câmara de uma rainha doente. Ora, o erro de perspectiva que daí resulta pode comparar-se àquele que cometeria um qualquer historiador do fenómeno da usura, que conferisse à cena do onzeneiro, que consta no mesmo auto, uma centralidade descabida; ou de outro, que quisesse ver na figura e na actuação do fidalgo d. Anrique uma evidência do descontentamento popular face à tirania da classe aristocrática, naquele momento preciso; ou ainda de alguém que visse na peculiar condenação do Judeu um reflexo de radical anti-semitismo por parte de Gil Vicente. Nenhuma dessas leituras resiste, na prática, à prova do círculo hermenêutico. Apreciada integradamente, a cena dos cavaleiros constitui, antes de tudo, a apologia lírica da Loucura do Martírio (prenunciada no Parvo Joane, que, por sua vez, significa a Loucura da Renúncia), oposta à Sátira do Mundo e dos seus engodos. Por esses engodos se perdem todos os condenados; pela Loucura se salvam o Parvo e os quatro cavaleiros. O facto de serem cavaleiros de Cristo, mortos em África, constitui, sem dúvida, uma importante marca de verosimilhança; mas repito que à luz do cotexto, é difícil ver nela um instrumento de propaganda central e directa. O que ressalta de uma visão inteira é a oposição estrutural entre o que é Bem e o que é Mal . Dentro das circunstâncias, mas muito para além delas, como era timbre das moralidades medievais e da concepção transistórica do Homem que nelas se revela.

As "Casas pardas"

Os sinais da guerra africana são ainda mais visíveis na Exortação da guerra . E não importa que esteja ou não em causa a expedição a Azamor de d. Jaime de Bragança 16  ; o que conta aqui é, prioritaria­mente, a sátira moral da corte e daqueles que nela se entregam à fruição e ao luxo, ignorando a justeza das causas profundas. É nesse contexto, nomeadamente, que se exortam os portugueses (as damas em particular) a renunciarem às "perlas" (substituíveis por "camarinhas") a favor de uma conduta de austeridade que possa reverter em favor do esforço de guerreiro.

São muitas as figuras evocadas na corte pelo clérigo Nigromante e todas familiarizadas com a guerra: Aníbal, Cipião, Heitor, Aquiles, Policena, Pantasilea. É na boca desta última que surge a persuasão mais demorada e viva, contendo passos particularmente incisivos:

Oh deixai de edificar

tantas câmaras dobradas,

mui pintadas e douradas,

que é gastar sem prestar.

Alabardas, alabardas!

espingardas, espingardas!

Nam queirais ser Genoezes,

senão muito Portuguezes

e morar em casas pardas. [I, 675 ] 17 

 

 

Embora nesse auto o sentido circunstancial apareça invulgarmente expresso (o que faz dele, porventura, um caso único no conjunto da Copilaçam ), avulta ainda um ideal moralizante: as "casas pardas", por oposição às "câmaras dobradas", sugerindo o requinte e a aura dos palácios ao estilo italiano, que o comércio das especiarias orientais tinha feito prosperar entre nós. 18 Mas, para além dos sentidos limitados que a oposição aqui possa ter, não há dúvida de que estamos perante uma ideia que atravessa toda a Copilaçam : encontrando, desta vez, uma tradução objectivada na guerra contra os mouros como, em outros autos , encontra uma versão de tipo doutrinal ou escatológico, envolvendo a caminhada dos homens no Tempo. É esse, por exemplo, o pecado da Alma (no auto do mesmo nome), seduzida pelas riquezas do Diabo e por elas esquecida da sua origem e do seu destino de Eternidade. Dessas mesmas riquezas, que temporariamente a cegaram, vem-se a despojar quando, já acolhida na Igreja, beneficia plenamente das iguarias da Paixão. A sátira das aparências - uma das tónicas mais constantes da obra vicentina - encontra-se, aliás, magnificamente representada no conhecido diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém, do Auto da Lusitânia , pautado pelos comentários moralmente conclusivos dos diabos Dinato e Belzebu. Nessa conformidade, o que um leitor porfiado da obra vicentina não pode deixar de notar é que, mesmo na Exortação da guerra , estamos perante uma adaptação de coordenadas acidentais a sentidos globalizantes e não o contrário. Mais (bem mais) do que a simples escolha de uma determinada conduta política ou militar.

O "Rio de Meca"

E chegamos ao Auto da Índia , porventura a peça de Gil Vicente que mais vezes é invocada a propósito do tema em apreço. É claro que é difícil (e é-o, sem dúvida, muito mais para nós do que para os leitores e espectadores do século de Quinhentos) não ver na peça um libelo contra a chatinagem do Oriente e contra o dessoramento moral que daí advinha. Vejamos, contudo, até que ponto as coordenadas estéticas podem matizar este sentido, até hoje tão fartamente manipulado do ponto de vista ideológico e político. E também nesse caso se revela de primordial importância a questão do género. Trata-se agora de uma Farsa , ou seja, de uma "máquina teatral montada para fazer rir" o espectador, à custa do contraste que se estabelece entre a ingenuidade de uns e a astúcia de outros. Nas farsas francesas, que tanto inspiraram Gil Vicente, o enganado era o marido crédulo, o comerciante ambicioso que se ausentava de casa levado pelos negócios (muitas vezes, para negociar nas grandes feiras da Europa), vindo a ser vítima inconsciente dos enganos da esposa, sempre jovem, sensitiva e amoral. Obedecendo aos preceitos do género, o dramaturgo português parece ter-se aqui limitado a reforçar as coordenadas de verosimilhança da peça, transformando o comerciante em marinheiro, que vai à Índia por simples ambição. Por ambição é punido aos olhos do espectador; é dele que todos se riem, dos enganos de que é vítima, estando na Índia, e ainda da ingenuidade com que adere às patranhas da esposa, quando regressa. Tendo em conta esses elementos, fica-se com a ideia de que o Oriente funciona na peça como pano de fundo necessário mas não obrigatoriamente como objecto central de sátira. O que está em causa - nesse auto, como na grande maioria das farsas de enredo conjugal - é a ambição de um marido que se ausenta de casa sem necessitar vitalmente de o fazer (só assim se explica que deixe a mulher provida de leite, azeite, mel e panos "pera três anos"), abandonando a esposa aos seus instintos naturais, como fica expresso numa célebre fala de Constança ("Partem em Maio daqui,/quando o sangue novo atiça:/parece-te que é justiça?") 19 e acreditando depois, no regresso, em todos os protestos de fidelidade e de recato que lhe são apresentados pela esposa. Há até uma personagem (o escudeiro Juan de Zamora) que se encarrega de evidenciar o erro central do marido:

 

Al diablo que lo doy

el desastrado perdido.

Que mas India que vos,

que mas piedras preciosas,

que mas alindadas cosas,

estardes juntos los dos? [II, 175]

 

 

A confissão, colocada na boca do marinheiro-soldado, segundo a qual, durante a viagem, cheia de perigos, os marinheiros se transformam em corsários ("Fomos ao rio de Meca,/pelejámos e roubámos"), tem sido sempre interpretada como sinal de crítica à conduta dos soldados e figurando, nessa medida, como um dos germes da chamada "Lenda Negra da Índia". 20 Mais do que como informante verídico, as palavras em causa podem, todavia, ser lidas como sinal da ambição daquele marido concreto, justificando ainda mais a punição moral através do adultério. 21 Parece sintomático, de resto, que a descrição das ocorrências asiáticas, vá de par com a narração enganosa de Constança que, ao mesmo tempo que ouve da boca do marido as vicissitudes da viagem, lhe vai jurando uma fidelidade absoluta e penitente. É essa também a situação que mais encontramos na intriga farsesca, em geral, com o marido a aumentar a sua fortuna à custa de negócios fraudulentos, regressando depois a casa para se ufanar dos lucros obtidos (como o marinheiro se orgulha da nau que "vem bem carregada") e para servir de objecto risível, pelos enganos morais de que entretanto foi vítima.

 

Os "Pomares de Oriente"

Outro episódio algumas vezes evocado a propósito dessa temática é o do segundo triunfo do Inverno, que figura no auto do mesmo nome. Nessa comédia "de fantasia", celebrada em maio de 1531, encena-se, ao vivo, uma viagem à Índia, sob a direcção de um piloto manifestamente impreparado, que ocupa aquele posto por favores de dinheiro e pelo tráfico de influências que muito provavelmente ocorria no paço. 22 Em contrapartida, segue na nau um marinheiro humilde, sem responsabilidades nem galões, mas com conhecimento bem mais adequado das adversidades práticas e da maneira de lidar com elas. Também essa situação, caricaturada por via de uma tempestade violenta que põe a nu a incompetência do piloto, pode dar azo a conclusões lineares: a de que esse auto constituiria uma depreciação da carreira da Índia, no seu todo, ou mesmo uma preferência implícita pela orientação africanista. 23

Vejamos se também aqui deve aceitar-se esse juízo, na sua formulação mais taxativa. Recorde-se, antes de mais, que o auto se inicia com um prólogo do "Autor", glosando o tópico do deperecimento geral:

Em Portugal vi eu já

em cada casa pandeiro,

e gaita em cada palheiro;

e de vinte anos acá

não há i gaita nem gaiteiro.

A cada porta um terreiro,

cada aldeia dez folias,

cada casa atabaqueiro;

e agora Jeremias

é nosso tamborileiro. [II, 75]

 

Segue-se o primeiro triunfo do Inverno, em que intervêm dois pastores: um deles apresenta-se prevenido, enfrentando as adversidades invernais com tenacidade e êxito; o outro, leviano e dissipador, é apanhado "sem çamarra" para enfrentar os rigores da estação. Ainda dentro deste primeiro triunfo, surge uma velha ensandecida de amores, que se dispõe a atravessar a serra nevada por amor de um mancebo, manifestando-se disposta a lutar contra a força da Natureza, numa batalha mais do que perdida.

É nesta sequência de desconcertos que surge a cena da tempestade marítima. E essa linha de continuidade leva-nos a apreciá-la no contexto mais vasto dos males da leviandade invernal, que hão-de corrigir-se com o Verão: com o Verão da Natureza e com aquele que resulta da reconversão dos propósitos humanos. Está em causa, sobretudo, a sátira à imprevidência e, nessa medida, a tempestade funciona como súmula de todas as adversidades com que os homens devem contar: no mar da Índia como no mar da vida, em geral. Dedicado ao nascimento da infanta d. Isabel, filha de d. João III e d. Catarina de Áustria, o auto termina com o triunfo do Bem e com a garantia de que todo o mal é efémero. As sereias, investidas de capacidade preditiva, prenunciam o aparecimento do Verão e enaltecem as figuras régias, protegidas pela Providência, desde que a d. Afonso Henriques (o "santo caballero") foi dado contemplar, em Ourique, as cinco chagas de Cristo. Nessa linha, o tópico da cruzada converte-se agora em descrição de um Império vasto e universal, integrando expressamente as terras orientais:

Recuérdate Portugal

quanto Dios te tiene honrado;

díote las tierras del sol

por comercio, à tu mandado;

los jardines de la tierra

tienes bien senoreado:

los pomares de Oriente

te dan su fructo preciado. [II, 104]

 

No final, é ofertado aos reis um "jardim perenal", à imagem do que existe nos céus, fora das contingências imanentes, como garantia de que todos os desacertos são reversíveis, se se tomarem como base as constâncias celestes.

É nesse plano esteticamente contextualizado que, em minha opinião, deve ser vista a sátira da tempestade marítima, dirigida sobretudo para o que na situação existe de errado (a inadequação do piloto à missão concreta de que está incumbido) e não necessariamente ao destino demandado pela nau ou sequer à viagem em si mesma.

"Cavalarias mui bem empregadas"

Os textos vicentinos chegam a acolher a glorificação do Império, em sintonia com a doutrina oficial que transparece, por exemplo, na cronística de Barros e de Damião de Góis ou, ainda de forma mais expressa, nas Orações de Obediência. 24 Vimos já como esse louvor se verifica na evocação do mito das origens ( Triunfo do Inverno ou Lusitânia ). E recordámos também como essa tónica se manifesta na Exortação da guerra . A esse respeito, porém, o exemplo mais elucidativo é o Auto da fama , peça representada, pela primeira vez, em 1520, cujo parentesco com a comédia Trofea , de Torres Naharro (uma das oito comédias que integra a Propalladia , publicada em Nápoles, em 1517), parece evidente.

Trata-se agora de enaltecer o império lusitano, justificado por clara demarcação em relação às outras nações que, embora sem méritos que o justifiquem, pretendem requestar a Fama, representada em figura de pastora. O teor doutrinal e panegírico do texto (e também o seu parentesco com a comédia celebrativa de Naharro), justificam uma didascália particularmente expressiva, acerca dos fundamentos e da natureza do Império português:

 

O argumento desta farsa é que a fama é ua tam gloriosa excelen­cia, que muito se deve de desejar: a qual este reino de Portugal está de posse da maior de todolos outros reinos. Segue-se que esta Fama portuguesa é desejada de todalas outras terras, não tamsomente pola gloria interessal dos comercios, mas principalmente polo infinito dano que os Mouros, imigos da nossa fé, recebem dos Portugueses na indica navegação. E porque antigamente a fama desta nossa província era em preço de pequena estima, significando isto ser a primeira figura ~ua mocinha chamada Portuguesa Fama, guardando patas, a qual será requerida per França, per Italia, per Castela e de todos se escusará porque cada um a quererá levar: e provará per evidentes rezões que este reino a merece mais que outro nenhum. Polo qual será posta no fim do auto em carro triumphal per duas Virtudes: s. Fé e Fortaleza.

 

O assédio mais insistente vem sintomaticamente do pretendente italiano, extensão dos interesses comerciais das repúblicas que suspiram, em vão, pela Fama. A resposta da pastora portuguesa na justificação da sua escolha constitui, porventura, o louvor imperial mais veemente que se encontra em todo o teatro de Gil Vicente, com invocação expressa dos principais vértices do domínio português, compreendendo a Guiné, o Brasil, Moçambique, as cidades do Malabar, do Golfo, etc. No final, é sintomaticamente a Fé quem, a anteceder a coroação da Fama, aponta a cruzada como sinal distintivo da gesta lusitana:

Vossas façanhas estão colocadas

diante de Cristo, Senhor das alturas:

vossas conquistas, grandes aventuras,

são cavalarias mui bem empregadas.

Fazeis as mesquitas serem desertadas,

fazeis na Igreja o seu poderio;

portanto o que pode vos dá domínio,

que tanto reluzem vossas espadas. [II, 202]

 

Numa linha de dedução meramente doutrinal, poderia pensar-se, por exemplo, que o encómio das grandezas imperiais se encontra em contradição com o Auto da Índia . Mas não obrigatoriamente. Desde logo porque, segundo o nosso entendimento, aquelas peças não configuram um posicionamento claro a propósito da Expansão; em segundo lugar, porque o envolvimento cruzadístico sobressai como tópico de referência, à luz do qual todas as conquistas e aventuras se transformam em "cavalarias mui bem empregadas"; e ainda, por fim, porque se trata agora de uma comédia em registo de triunfo , obrigatoriamente destinada a celebrar e a enaltecer. E este último factor, de ordem estética, sobrepõe-se a qualquer desígnio ideológico ou político.

 

4. Mais do que a coerência de posições históricas, o reexame dos textos agora levado a efeito não pretende silenciar as vozes que ecoam nos autos, em contexto de verosimilhança histórica, a propósito da Expansão como a respeito de outros temas. Do que se trata é de proceder ao seu enquadramento nas bases que primordialmente sustentam a escrita vicentina. E não há dúvida de que, a essa luz, a relação entre Literatura e Império ganha em ser apreciada de forma menos directa. O vínculo que daqui resulta gera efeitos mútuos de natureza mediata, complexa e difícil de reduzir a esquemas de apologia ou de reprovação. A esse respeito, há que reconhecer que muitas vezes têm sido feitos a Gil Vicente pedidos de coerência e de definição francamente desajustados. Em bom rigor, chega a ser discutível fazer figurar a sua obra na chamada Literatura de Expansão. 25 De facto, talvez não seja razoável comparar o corpus vicentino com obras que assumem essa tópica como móbil inspirador. Nesse conjunto se integram pacificamente textos épicos (de Camões a Corte-Real), crónicas, itinerários, autobiografias ficcionadas (como a Peregrinaçam ); mas é difícil que nele caibam (ao mesmo nível, pelo menos), os textos de Gil Vicente: mesmo aqueles de que tenho vindo a falar e que representam, tão-só, recorde-se, uma pequena parcela da produção do autor. É certo que neles comparece a temática em causa; mas não de forma central (se exceptuarmos, talvez, os casos de Fama e Exortação da guerra ). Antes de ser panegírica ou detractora, a obra de Gil Vicente é moralizante, no sentido em que era moralizante o teatro europeu da Baixa Idade Média, partindo do concreto para o abstracto, do particular para o geral, do real para o ideal. Projectando-se nos textos, o leitor institucional (ou seja, aquele que, em cada momento, é portador de um conjunto de interesses e preconceitos colectivos) interroga-os na perspectiva de neles encontrar respostas convenientes. E não há dúvida de que os autores do século XVI (com Gil Vicente e Camões à cabeça) têm sido lidos de acordo com uma perspectiva "colonial", aquela que melhor se ajusta a esse desiderato. Poderemos continuar a alimentar essa imagem, se concluirmos que ela serve, melhor do que qualquer outra, às exigências de consumo cultural dos portugueses (e também de alguns estrangeiros que nos vêem estritamente como "pequeno povo de descobridores"); mas está hoje aberto o caminho para outros encontros com Gil Vicente, menos condicionados pela ideia de Império e menos dependentes da tentação de fazer de Gil Vicente um ideólogo transparente, uma voz doutrinal claramente posicionada no xadrez da corte régia, uma espécie de enviado da contemporaneidade ao século de Quinhentos, incumbido de enviar reportagens actualizadas para a televisão do nosso tempo.

Para além de muitas outras vantagens, a visão pós-colonial 26 da obra vicentina pode conduzir-nos a valorizar aquilo que no artista de d. Leonor menos tem sido apreciado: a sua arte, considerada nas suas matrizes, na sua identidade e nas suas repercussões.

Refiro-me, evidentemente, a um conceito contextualizado de Arte. E não falo evidentemente da Arte como campo rigorosamente ou contrafactual tal como o preceituam Kant e as estesias românticas. De modo nenhum pode esquecer-se de que, para além de todas as especificidades, a Arte vicentina co-envolve ainda o plano moral, implicando, por isso, compromissos e confrontos de natureza social e política. Era inevitável que os seus textos, que convém não esquecer, foram e são valorizados em circunstâncias histórico-mentais muito próprias, viessem a suscitar leituras políticas e ideológicas. Mas isso reflecte a fortuna da própria obra (sempre lida em registo colonial, repito) e não tanto a sua natureza intrínseca.

E, ao longo de um arco cronológico de recepção que já vai em dois séculos, o foco hermenêutico que mais tem avultado é, compreensivelmente, o do Império. Não que valorizando a questão se introduza nos autos algo que neles não figure; mas não há dúvida de que neles figura de forma proporcionada, em relação com muitos outros temas, ora de forma central (é o caso muito preciso de dois dos autos atrás mencionados), ora de forma disseminada. Seja como for, basta invocarmos de novo os princípios da identidade artística e da sintaxe global dos autos, para concluir que a visão documentalista das peças vicentinas resulta do menosprezo da sua especificidade, da sua excessiva fragmentarização e ainda da hipertrofia de um ângulo de análise que, por muitos motivos, detém contornos verdadeiramente obsessivos no panorama da cultura portuguesa.

É de crer que, entre outros efeitos favoráveis, o gradual desvanecimento do chamado "complexo do Império" venha a favorecer uma nova fase dos estudos vicentinos, como dos estudos da literatura portuguesa de Quinhentos, em geral. No que diz respeito a Gil Vicente, seria desde logo interessante discriminar aquilo que em matéria sociodocumental existe nos autos enquanto resultado do fenómeno da Expansão e aquilo que deriva do código de representação do teatro medieval europeu, o quadro artístico em que se moveu o dramaturgo português. Nessa conformidade, a ideia corrente de que nos autos existe uma constelação de personagens e situações historicamente vinculadas à realidade lusitana da expansão necessitaria de ser matizada. E isso por força da coincidência verificada entre muitas dessas situações e personagens e aquelas que povoam as farsas e as moralidades europeias da Idade Média. Estou em crer que bastará esse processo de matização para que a perspectiva de leitura se desloque para outros planos.

De acordo com essa nova atitude (de base "pós-colonial", mas não necessariamente anti-colonial), será possível atentar, enfim, mais detidamente, em aspectos de carácter textual e contextual até hoje menos favorecidos pela atenção dos estudiosos. Destaco apenas alguns, a título de remate:

 

1 - a multiculturalidade, que nos autos vicentinos se expressa em termos de linguagem (e não apenas de idioma) e também de valores:

- os valores que emanam da terra e dos vilãos que a ela permanecem fiéis, em contraste com aqueles que a abandonam, seduzidos pela miragem da riqueza, supostamente tornada fácil pelo advento da Expansão;

- a consideração da presença e da voz do Outro: o que não participa nas estruturas do Poder, por impossibilidade social (o vilão genuíno, o escudeiro, o cristão-novo, etc.) ou por surgir deliberadamente afecto a esquemas de evasão histórica (o cavaleiro, as fadas e feiticeiras, o parvo, etc.);

 

2 - o sentido de cavalaria espiritual (típico das comédias) associado ao imaginário pré-expansionista e que tantas vezes parece funcionar como protesto contra o mercantilismo;

 

3 - a tensão entre várias formas de convivialidade retórica, considerando, sobretudo, a que se verifica entre o registo popular (tendencialmente genuíno) e o palaciano (marcadamente artificial), derivando este de um intenso processo de descaracterização pós-expansionista, que se confunde com a ostentação geral, objecto sistemático de sátira;

 

4 - a transversalidade de temas de grande densidade existen­cial, envolvendo a conduta do Homem, face aos desregramentos típicos de situações de abundância e de injustiça (v. Breve sumário , Alma e Barcas );

 

5 - os vínculos ou compromissos tácitos que se operavam entre o dramaturgo e os seus públicos (homogéneos mas dinâmicos) e que determinaram inflexões mais ou menos visíveis, em termos de orientação estética. Nesse sentido se deve falar de plurivocalidade e não de unilateralidade doutrinal ou ideológica.

 

Pode dizer-se que qualquer desses aspectos foi já objecto de atenção, mais ou menos desenvolvida. E isso é verdade. Mas o que agora se reclama é que a atitude se renove em termos de perspectiva, (re)conciliando os informantes históricos com a dimensão estética: no pressuposto de que os dois planos se potenciam mutuamente; e também na certeza de que, ainda desta vez, não estamos a descobrir nada de definitivo. Na melhor das hipóteses, estaremos a refazer uma imagem, à medida do nosso próprio ângulo de visão, dos nossos interesses e das nossas possibilidades.

 

Notas de Rodapé

1 Depois de por finais do século XIX e inícios do século XX, Braamcamp ter tido necessidade de enfrentar opositores particularmente aguerridos (com destaque para o general Brito Rebelo), a história literária acabou por incorporar a tese da identidade. De entre os vicentistas mais recentes, só A. J. Saraiva (1972) e P. Teyssier (1982) continuaram a manifestar-se muito cépticos.

Durante os anos 70 e 80 do século XX, a polémica era muitas vezes evocada como exemplo risível dos excessos da história literária.

2 Para uma análise bem documentada do estabelecimento do cânone na época a que me reporto veja-se o trabalho de Carlos Cunha.

3 É esse, de facto, o pressuposto de todo o capítulo sobre Gil Vicente que figura na História da cultura em Portugal (1953), recentemente reeditado como volume autónomo.

4 Para uma resenha deste tipo de fontes veja-se Diogo Ramada Curto.

5 O índice do citado estudo de Saraiva constitui, aliás, um bem ilustrativo exemplo dessa tentativa de inventário: "A corte", "A nobreza", "O camponês", "A ideologia social de Gil Vicente", [.] "Gil Vicente e o clero" etc. etc.

6 É essa nomeadamente a posição expressa por António José Saraiva no já citado ensaio e transposta depois para a História da literatura portuguesa , que redigiu de parceria com Óscar Lopes (1ª edição em 1953) e que tem servido de suporte à educação literária dos portugueses praticamente até aos nossos dias.

7 Num outro registo, pode apreciar-se o problema no contexto ibérico e europeu, sublinhando as posições de Gil Vicente em relação ao poder imperial de Carlos V e ao lugar que nele estava previsto para a monarquia portuguesa, enquanto sua extensão no plano familiar e geoestratégico. Em estudo recente, João Nuno Alçada ocupa-se desse mesmo assunto com desenvolvimento e profundidade.

8 A este nível, Gil Vicente vem inspirando um curioso e crescente conflito disciplinar. Tendo sido, durante muitos anos, objecto exclusivo de atenção dos estudos literários (considerados no espectro diacrónico de todas as suas orientações), o corpus vicentino tem vindo agora a beneficiar da atenção de outras áreas disciplinares. Começou a ser valorizado, desde logo, pelos estudos teatrais, à medida que eles se têm afirmado como campo, na universidade portuguesa; e vem sendo objecto de um número crescente de estudos na área da história da arte, da música, do traje e de outros adereços etc. etc.

9 Com efeito, parecem já longínquos os tempos em que se menosprezava o interesse pelos aspectos contextuais e biográficos. Descontadas as ilusões deterministas e totalizantes, o contexto voltou a ocupar lugar de relevo na aferição dos sentidos textuais. Na medida em que recobre a totalidade do espectro dos estudos literários em Portugal, a investigação vicentina ilustra bem essa evolução.

Sobre a realidade dos estudos vicentinos tive já oportunidade de escrever noutra ocasião (Bernardes, 2000).

10 Em estudo próximo, tenciono efectuar uma análise detalhada desse importante texto prologal. Veja-se, entretanto, também sobre o mesmo assunto, J. Osório Mateus e Alves Osório.

11 Para uma análise desse registo, veja-se José Alberto Ferreira (em especial, p. 60 e segs.).

12 A inserção de Gil Vicente no transfundo folclórico peninsular e universal foi já objecto de análises percucientes levadas a cabo por Stephen Reckert em vários capítulos de um recente volume de estudos.

13 Talvez bem mais do que qualquer outro autor do século XVI, Gil Vicente tem sido objecto de leituras marcadamente rarefeitas, sustentadas num pequeno conjunto de autos ou mesmo num restrito número de cenas e personagens tidas por emblemáticas. Nessa perspectiva, tornou-se sistemática a tendência para destacar fragmentos sem posterior inserção global.

A própria atitude preconceituosa com que nos aproximamos de muitos autos, favorece a parcelarização de sentido. Uma boa forma para atenuar essa tendência nociva consiste em apreciar Gil Vicente nos palcos, onde o global ganha forçosamente primazia sobre o particular.

14 De facto, se a leitura colonialista da cena (bem patente nos programas e nas orientações de leitura contidas em antologias e edições escolares) se centrava no encarecimento moralizante do esforço patriótico em manter as possessões africanas, no período que se seguiu a abril de 1974 insistia-se muito mais na representatividade social das personagens condenadas, como se nessa condenação se reunissem os efeitos negativos da Expansão, como tal. A dita cena passou então a ser lida como concessão necessária ao poder da época (passageira e sem significado estruturante); em contexto teatral, a cena foi mesmo tida por excrescente e dispensável: é o caso da versão do Auto muito recentemente criada pelo Grupo Acert em colaboração, com o Entretanto Teatro , com adaptação e encenação de Pompeu José, que faz do Parvo a única contraposição das personagens condenadas, rasurando absolutamente a cena dos cavaleiros de Cristo.

15 A este respeito, prevalecia a força indutora da bula Orthodoxae fidei , concedida pelo papa Inocêncio VIII, em 1486, que prometia a todos os que participassem na guerra contra os infiéis "de todos seus pecados plenaria remisom e indulgencia, tal e tam inteira como per nossos predecessores se custumou sempre de dar aos que vãao em sosidio e defensam da Terra Santa". Apud António Dias Farinha, p. 27.

16 Para um esclarecimento da circunstância concreta que inspirou o auto (a partida de d. Jaime para Azamor, em 1513) e para as alterações posteriormente verificadas no auto, em termos de alusões pontuais considerem-se os juízos ainda inultrapassados de Óscar de Pratt, p. 169 e segs.

17 As citações do texto vicentino têm por base a edição dirigida por José Camões, com menção de volume e de página.

18 A este propósito, a construção mais emblemática seria naturalmente o esplendoroso Paço da Ribeira, mandado erguer por d. Manuel nos primeiros anos de Quinhentos, destinado a funcionar como ícone do poder régio. Para a história e análise dos sentidos histórico-culturais do palácio, veja-se o muito esclarecedor estudo de Nuno Sedas, citado na Bibliografia.

19 Não será necessário ir mais longe se quisermos detectar, desde logo, um aspecto que subverte a verdade histórica em proveito da conveniência artística. De facto, as naus da Índia partiam quase sempre no mês de março, sendo consideradas já tardias as partidas de abril. O objectivo era atingir o Índico no início da monção grande, evitando as invernadas. Mais do que observar a verdade histórica, porém, o que está aqui em causa é remeter para o registo farsesco, sublinhando devidamente as motivações sensuais de Constança - particularmente acesas em maio. Sobre as circunstâncias das partidas na Carreira da Índia, vejam-se ainda Contente e Guerreiro, p. 10 e segs.

20 Para uma análise dos textos literários indexados à chamada "Lenda Negra da Índia", veja-se Maria L. Garcia da Cruz.

21 A própria assumpção do rio de Meca como destino não se afigura historicamente credível, funcionando antes, nesse cotexto, como forma de caracterizar o marido ambicioso.

22 Sobre a prática de compra dos cargos de piloto e dos efeitos da pilotagem im­pre­vidente na carreira da Índia vejam-se Contente e Guerreiro, p. 198 e segs.

23 Acerca dos elementos que integravam a tripulação das naus da Índia, veja-se a esclarecedora informação de Contente Domingues e Inácio Guerreiro: "A bordo de um navio com a tonelagem média das usadas na Carreira, superintendia o capitão e, abaixo dele, o piloto, sota-piloto, mestre, contra-mestre, guardião, dois trinqueiros, cerca de sessenta marinheiros e setenta grumetes, o mestre bombardeiro ou condestável, e cerca de 25 bombardeiros, um capelão e um escrivão, um ou dois despenseiros e um ou dois artífices de cada ofício dos necessários a bordo, a saber: cirurgiões, carpinteiros, calafates, tanoeiros e outros" (cf., op. cit., p. 198).

24 Para uma análise panorâmica dos pressupostos ideológicos das Orações de Obediência, veja-se Martim de Albuquerque.

25 A essa opção não resiste, por exemplo, Hernâni Cidade, que, num compêndio intitulado A literatura portuguesa e a expansão ultramarina dedica ao teatro de Gil Vicente um breve capítulo. E é sintomático que na sua abertura reencontremos os termos exactos da justificação romântico-positivista do próprio autor, enquanto "repórter" da época: "A obra de Gil Vicente (1465?-1536?) é o fresco maravilhoso onde tem sua integral projecção a vida portuguesa do tempo, em sua rica variedade, mais de uma vez em suas antinomias, de virtudes e vícios, em seus contrastes de alegrias e tristezas" (cf. p. 79).

26 Refiro-me evidentemente ao pós-colonialismo enquanto método de análise literária e cultural, desenvolvido, a partir do anos 80, por Edward Said e Homi K. Bhabha e posteriormente refundido em várias direcções. Entre as muitas sínteses existentes sobre esta matéria, destaca-se a de Ania Loomba.

 

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