Izabel Margato
PUC-Rio
Cátedra Pe. António Vieira de Estudos Portugueses
Este texto busca pôr em diálogo o que se convencionou chamar antigas formas de narrar, cuja imagem concentrada faz da figura de Sherazade o emblema mais acabado, com novas formas de narratividade produzidas pela literatura nos últimos anos. Neste caso específico, refiro-me à literatura portuguesa contemporânea e, mais concretamente, às obras de José Cardoso Pires.
Para iniciar este diálogo, retomo a pergunta proposta por Jeanne Marie Gagnebin: "O que é contar uma história, histórias, a História?", que funciona como um mote em seu prefácio aos ensaios de Walter Benjamin.2 Esta demanda, como sabemos, sempre deu margem a muitas respostas, a muitos outros textos narrativos ou não. Se pensarmos na sedutora figura de Sherazade (e nas das infinitas Sherazades perdidas nas e pelas histórias), contar uma história seria exercer o ofício de narrador para poder viver, para continuar vivendo e, se possível, para seduzir e posteriormente envolver o ouvinte com a história ou, mais precisamente, na história. No fundo, no fundo, essas primitivas formas de narrar eram histórias de amor que funcionavam (ou ainda funcionam) como estratagemas para se poder viver. São estórias de enganar (o engano faz parte da sedução), são máscaras, enredos, filtros de encantamento. Talvez por um descuido da história, esse papel de encantar passou por muito tempo como exclusividade das mulheres, como atributo feminino. Acho, no entanto, que essa exclusividade carece de uma revisão acurada.
Posteriormente, ao retomarmos alguns ensaios de Walter Benjamin, encontramos duas figuras matriciais de narradores que, como Sherazade, narravam para viver ou para ajudar a viver. Benjamin os apresenta como aqueles que "sabiam narrar devidamente". São as figuras do "camponês sedentário" que, sem sair de seu país, conhecia suas histórias e tradições, e a do "marinheiro comerciante" que, por viajar, tinha muito que contar. Essas figuras arcaicas eram comparadas aos mestres e aos sábios porque o que eles contavam eram histórias de experiências, eram uma espécie de conselho e, para o ensaísta, "o conselho tecido na substância da existência tem um nome: sabedoria."3
O marinheiro comerciante e o velho habitante da terra narram histórias de experiências, de conhecimentos comunicáveis e ampliam os laços com que se tece uma comunidade de sentidos. São eles os fiéis depositários de histórias e tradições, e por isso são narradores privilegiados, capazes de transmitir e de ordenar, com suas narrativas antigas, um mundo feito de experiências. Essa narrativa que compartilha experiências tem a sabedoria de tornar perto o distante, aproximando tempos e lugares. Essa narrativa antiga cria uma "comunidade entre vida e palavra" porque tem uma relação direta com as formas do fazer, especialmente o artesanato. Para Jeanne Marie Gagnebin,
O ritmo do trabalho artesanal se inscreve em um tempo mais global, tempo onde ainda se tinha, justamente, tempo para contar. Finalmente, de acordo com Benjamin, os movimentos precisos do artesão, que respeita a matéria que transforma, têm uma relação profunda com a atividade narradora: já que esta também é, de certo modo, uma maneira de dar forma à imensa matéria narrável, participando assim da ligação secular entre a mão e a voz, entre o gesto e a palavra.4
Inserindo num mesmo movimento narrador e ouvinte, as narrativas antigas criam um fluxo comum e vivo, sempre aberto a novas experiências e a um intercâmbio de papéis, o que transforma o relato num modo de "fazer junto".5 Como dissemos acima, estas narrativas organizam o sentido de vida de uma comunidade.
Entretanto, os ensaios de Walter Benjamin que tratam da questão da narrativa colocam em destaque, em tom mais ou menos melancólico, a impossibilidade do exercício dessa prática nos tempos modernos: "são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente"6, afirma o ensaísta. As antigas narrativas de experiências já não constituem uma cena comunicável: não temos tempo para ouvir a experiência alheia e tampouco sabemos dar conselhos aos outros ou a nós mesmos. Não somos mais capazes de "contar histórias", porque as ações da experiência já não despertam interesse. Não precisamos mais delas para viver.
Diante dessa constatação, poderíamos perguntar-nos: o que desperta hoje o nosso interesse? Ou, melhor dizendo, como seria "narrar devidamente" em nosso tempo?
Voltando ao prefácio, Jeanne Marie Gagnebin chama a atenção para uma possível saída apontada por Walter Benjamin. Apesar do tom melancólico e de uma certa nota nostálgica presente em seus ensaios, a constatação sobre o fracasso da "Experiência", que vem associado ao fim da arte de contar, vai suscitar no ensaísta o esboço de uma reflexão que aponta para a necessidade de recuperação da "Experiência", que deverá ser acompanhada de uma nova forma de narratividade.7 Essa reflexão, mais evidente nas Teses de Benjamin sobre a história, também está presente nos ensaios sobre as obras de Proust e de Kafka.
Se nas Teses sobre a História é possível perceber que essa nova forma de narratividade é inseparável de uma prática política, nos outros ensaios, Benjamin chama a atenção para "as formas sintéticas de experiência e de narratividade", como uma aposta daqueles que "reconheceram a impossibilidade da experiência tradicional na sociedade moderna e que se recusam a contentar-se com a privaticidade da experiência vivida individualmente".8
Focalizada essa questão a partir das reflexões de Lyotard sobre o realismo, poderíamos dizer que a degradação da narrativa de experiências é correlata, ou mesmo o resultado, do depauperamento a que a sociedade capitalista condena de forma voraz e contínua os próprios alicerces que lhe dão sustentação. Dito de outra maneira, é impossível acreditar em histórias que de uma hora para outra se volatilizam, deixando de fazer sentido, ou, para usar a terminologia de Lyotard, se "desrealizam":
[...] o capitalismo tem, só por si, um tal poder de desrealizar os objetos habituais, os papéis da vida social e as instituições, que as representações ditas "realistas" já só podem evocar a realidade sob a forma da nostalgia ou da paródia.9
Para o autor, a fotografia e o cinema (e podemos acrescentar a televisão) podem realizar melhor e mais depressa a tarefa tranqüilizadora de "preservar as consciências da dúvida"10, e isso numa escala cem mil vezes maior do que a pintura e o romance. Para Lyotard, pintura e cinema são hoje os produtores de uma narrativa competente, a que melhor desempenha as tarefas de
[...] estabilizar o referente, de o ordenar segundo um ponto de vista que vai dotá-lo de um sentido reconhecível, de repetir a sintaxe e o léxico que permitem ao destinatário decifrar rapidamente as imagens e as conseqüências e chegar, portanto, sem dificuldade, à consciência de sua própria identidade, simultaneamente, à do assentimento que assim recebe dos outros, visto que estas estruturas de imagens e de seqüências formam um código de comunicação entre todos. Assim se multiplicam os efeitos de realidade, ou, se se preferir, os fantasmas do realismo.11
Estaríamos, então, diante das narrativas de enganar? Ou seja, aquelas que, por sua clara visibilidade estariam dotadas, como diz Lyotard, de uma função terapêutica que atende ao conformismo das massas, pondo em comunicação o nosso desejo endêmico de realidade e de confirmação de identidades? Essas narrativas apaziguadoras não são apenas de enganar, são "primeiras vistas", como diz José Cardoso Pires, ou, como diz Lyotard, "são meios de enganar, de seduzir e de tranqüilizar".
Segundo o autor, para fazer frente a essa narrativa terapêutica, ou, melhor dizendo, para diferenciar-se dela, os romancistas têm de interrogar as regras da arte de contar, mesmo que com isso, ou, por isso, venham a ser condenados a não ter credibilidade junto dos amadores que buscam nas narrativas apenas a confirmação de seus objetos de realidade ou de identidade.
Para fazer frente a esses "fantasmas de realismo", o narrador contemporâneo vai ter então de lidar com a percepção de que
A modernidade, seja qual for a época de que date, é sempre inseparável do enfraquecimento da crença e da descoberta do pouco de realidade da realidade, associada à invenção de outras realidades.12
É a partir dessas categorias que buscarei analisar a narrativa do romance O Delfim, de José Cardoso Pires.
O romance O Delfim não é uma narrativa de encantar, nem de embalar, pela repetição, o nosso desejo de realidade ou de identificação. Por isso a sua narrativa é tida por muitos como de difícil leitura, apesar da falsa isca de mistério que logo à saída nos envolve: um crime a ser apurado. Aparentemente, O Delfim tem a estrutura das narrativas policiais em que a elucidação de um crime e a identificação do assassino dão corpo ao desenvolvimento do enredo. Há um narrador-caçador que, logo de saída, transforma-se numa espécie de detetive que recolhe pistas, versões; analisa gestos, olhares, em confronto com antigas histórias do lugar. Num primeiro momento, acreditamos que ele nos conduzirá às pistas do crime (ou dos crimes), ajudando-nos a decifrá-las. Ele conhece o lugar, já esteve em outra caçada em conversas com o maior suspeito do crime, o Engenheiro, e, enfim, sabe que, num lugar tão pequeno como a Gafeira, um criminoso não pode encontrar muitos lugares para esconder-se, apesar de estar desaparecido: "Onde está o engenheiro?" Diante dessa interrogação, a inquietação aumenta, embora, em pano de fundo, a narrativa teça a preparação de uma nova caçada (mas qual?).
Ancorado em uma janela, o "narrador-autor", também chamado "Narrador Furão", vai reconstituir os fatos, tendo por base o universo difuso da memória: "Onde diabo fui buscar eu isso?".
As versões sobre o crime se multiplicam, e se misturam com as cenas da memória ou das leituras do narrador. Este, por sua vez, do mesmo modo que lê as versões dos outros personagens, lê e corrige a sua própria percepção dos fatos. Este narrador não é de confiança, adeus tranqüilidade, não estamos diante de alguém que sabe verdadeiramente o que se passou. O que temos é o entrecruzamento de falas, de lembranças que, misturadas, passam a funcionar muito mais como cifras do que como pistas.
Não há um caminho único a percorrer mas, gradativamente, a cena do crime vai perdendo em interesse. O que temos são retalhos, versões que podem fazer algum sentido na rasura, na condição de cifras de outros sentidos, outros crimes, outras verdades. Gradativamente, vamos percebendo que afinal não importa muito descobrir os detalhes do crime: não sabemos se de fato o Engenheiro matou a mulher e o criado, ou se ele também morreu. Pois, afinal, o que a narrativa de O Delfim promove de fato é uma explosão de transmissibilidade, onde as versões não compõem uma cena, antes a estilhaçam.
A estrutura narrativa desse romance parece, então, ser construída a partir de camadas de sentidos emaranhados, mas interdependentes, numa superposição que lembra, mas também exclui a estrutura de um palimpsesto. Diferente do palimpsesto, a camada de sentido oculto não anula ou enfraquece a versão visível, antes a contém ou precisa dela para uma outra possibilidade de sentido. Assim, poderíamos dizer que a estrutura narrativa desse romance faz lembrar a daqueles livros de gravuras infantis em que, a cada página que se vira, uma nova peça da paisagem é acrescentada. Cada página, cada cena desse livro tem e não tem autonomia, isto é, pode, mas não deve ser vista apenas separadamente, pois cada uma, além de autonomia, tem como função primeira a de interferência num desenho maior que, gradativamente se vai completando. Essa composição gradativa tem ainda a função de ir alterando a paisagem no todo e também a de corrigir os pequenos todos com que se compõe cada uma das partes do livro.
"Cá estou", diz o narrador. É assim que começa o romance. Nada mais simples, nada mais preciso ou verdadeiro. Narrador, lugar e tempo definidos e claros. O tempo é o presente e o lugar é uma janela. A "fala" é a do narrador que assim, aparentemente despido de pretensão, se apresenta. A janela, no entanto, não é um espaço qualquer, sem marca especial de sentido; ela é um índice de visão privilegiada. Ela implica o distanciamento e a proteção necessária para "dominar" a cena que se vê, mantendo-se fora dela. Mas isso também é corrigido, atenuado e a concretude da expressão "cá estou" fica carregada de ambigüidade. Do mesmo modo, a demarcação do tempo vai acirrar e amplificar esse traço definitivo da escrita de Cardoso Pires. Como vimos, o tempo presente é o tempo que preside a narrativa. Mas quantos tempos podem caber num tempo presente? Ou melhor, de quantos tempos se constrói o tempo do presente dessa narrativa?
Num primeiro momento, poderíamos dizer que o tempo que o romance encena vai demarcar-se com as duas visitas que o narrador (caçador) faz à Gafeira com um intervalo de um ano: 1966-1967. O que teríamos poderia ser, então, a narrativa (presente) de episódios vividos nas duas caçadas. Mas, como é de se supor, o presente vai demarcar-se, antes de tudo, na profusão de tempos necessários à reconstituição mnemônica. A narrativa de O Delfim é construída, antes de tudo, ativando o processo que põe em funcionamento a rememoração e a amnésia juntas.13
Pensar o presente no cruzamento da lembrança e do esquecimento é situá-lo em cruzamento de muitos tempos sobrepostos, ou melhor, contíguos, onde cada tempo nada mais é do que uma possibilidade de leitura (ou de lembrança) que pode aparecer antes, ou depois, para a seguir desaparecer e ser substituído por outro. Aprofundando, mais ainda, essa múltipla sincronia em que se constitui a narrativa de O Delfim, existe ainda uma outra espécie de marcação temporal mais diluída e imprecisa: a do tempo da suposição. Em que tempo se constrói uma narrativa ancorada no tempo da suposição?
Suposição, lembrança e esquecimento andam de braços dados neste romance. A insistência em trabalhar com os mecanismos da memória implica o conhecimento de que a memória é difusa e sem contorno preciso. Cardoso Pires explora esses atributos, amplificando-os. A sua narrativa não organiza essa nebulosa massa significativa, antes explora os seus efeitos, promovendo uma atitude de desconfiança em relação a ela.
Talvez fosse melhor nos perguntarmos agora: qual a funcionalidade desse processo narrativo que faz da encenação do universo mnemônico o seu ponto de partida para a articulação de uma narrativa de desencantar, desconfiar, desenganar?
Em Sete Aulas sobre Linguagem, Memória e História,14 Jeanne Marie Gagnebin nos diz que:
A desconfiança em relação à memória inscreve-se num projeto muito mais amplo, que chamaríamos, hoje, de crítica ideológica, pois a memória e a tradição formam este conglomerado confuso de falsas evidências, do qual o presente tira sua justificativa.15
Se retomarmos o esboço de Benjamin para um outro tipo de narrativa que, inseparável de uma prática política, aliasse formas sintéticas de experiência e de narratividade, poderíamos encontrar um possível caminho de leitura para o romance de José Cardoso Pires.
A prática política que é sustentada ao longo do romance parece fazer um trocadilho com o "narrar devidamente" que tem sido objeto de tantas discussões. O romance insistentemente aponta para uma outra questão: como ler devidamente? Não se trata aqui de apontar procedimentos para a leitura do próprio livro, mas de uma proposta que parte do princípio de que para ler é preciso soletrar. Soletrar as versões, soletrar a história da "muralha pecadora" e as falas inocentes (estas ainda mais), soletrar as diferentes histórias que ao serem contadas organizam e legitimam visões de mundo e, enfim, soletrar as repetições simplificadas e apaziguadoras dessas histórias, que reforçam e banalizam versões, transformando-as em verdades.
A narrativa de O Delfim aposta na existência do leitor ideal, essa espécie de leitor-furão que soletra e desconfia do que lê. Nesse sentido, também aqui o romance se afasta das propostas iniciais do Neo-Realismo. Cardoso Pires quer ser lido (e entendido) por uma "imensa minoria".
No entanto, há um tom pedagógico nessa narrativa que ensina a soletrar. São inúmeras as expressões como: "Quem falou assim?"; "onde fui buscar eu isto?". Mas o propósito parece-me claro: esta narrativa propõe desconfiar do que se vê, do que se lê, do que se ouve, implicitamente chamando a atenção para o fato de que todo discurso está sustentado por um outro discurso organizado e organizador.
Com uma estrutura semelhante à das exposições de um museu, esta narrativa apresenta uma ordenação de quadros que revela um primeiro sentido. Todavia essa ordenação não exclui, antes promove, mudanças de percursos capazes de desencadear outras ordenações e sugerir associações inusitadas. Ler, então, é também promover novas curadorias16 em busca de outros movimentos de leitura, em busca de outros sentidos.
A narrativa de O Delfim faz lembrar também o conceito benjaminiano de "Constelação", onde a luminosidade de cada estrela vem dela própria, mas também do brilho-reflexo das outras estrelas. No romance, cada quadro, passagem ou uma simples fala de personagem "ilumina" e é iluminado/a pelo todo, isto é, há no ato de narrar um movimento que faz com que o leitor busque decifrar (soletrar) o sentido de cada um e o efeito de conjunto. Esse processo narrativo desencadeia deslocamentos de sentidos: há uma espécie de deslizamento de significados na passagem de um quadro a outro, e, ainda, o "efeito de contaminação", para usar as palavras de Barthes.
Coerentemente com esses procedimentos que venho apontando, ganha relevo neste romance (e poderíamos dizer que esse é um traço marcante na obra de Cardoso Pires) o efeito da ilusão de ótica. Como já afirmamos, essa narrativa coloca em cena um cruzamento de percepções, de pontos de vistas, de versões, afinal. Mas cada percepção aparece sempre como uma forma diferente de ilusão de sentidos. São efeitos (ou defeitos) de ideologia, pois, como diz Marilena Chauí, "quem olha, olha de algum lugar"17. Neste romance, cada fala é o desdobramento desse lugar ("iludido") que sustenta os diferentes discursos. O da hospedeira, que fala por provérbios, e apresenta explicações de fábulas para justificar comportamentos ou práticas consagradas de autoritarismo, é um dos que vão ser soletrados pelo narrador. Para soletrá-lo, ele propõe a prática do "Olho Vivo": uma espécie de jogo de palavras que acaba sempre na palavra "subversivo", tendo, fundamentalmente, como base o processo de associação de idéias. Associar, subverter, talvez seja isso que o narrador quis dizer com "soletrar".
Aparentemente, fatos e versões são totalmente rasurados, mas na verdade o que acontece é que, mesmo rasurados, eles não são descartados porque, ao serem submetidos ao jogo do "Olho Vivo", às associações, expõem os verdadeiros sentidos que os sustentam. Com isso chega-se ao sujeito enunciador de cada fala. A partir daí, o narrador lê a sua repetição, "soletrando-a".
Para terminar, poderíamos dizer que a narrativa de O Delfim é construída com uma escrita que também encena o jogo do Olho Vivo. No início, como diz o narrador, "Tudo obscuro". Gradativamente, a narrativa é corrigida num processo de aproximações, recuos, associações e retomadas de cenas que permaneceram suspensas.
Poder-se-ia dizer que a narrativa desse romance é construída em suspensões de sentido. O narrador promove interrupções, rasuras e quebras que levam o leitor a levantar a cabeça em busca de associações. Poder-se-ia dizer então que essa narrativa, se tem alguma sedução, é a de suscitar o desejo de produzir sentidos. Mas esse movimento é cerimonioso e contido. Sem paternalismos nem seduções fáceis, o narrador de O Delfim não busca comover, seduzir e encantar, já que seu "canto de sereia" é frio como o gume da faca e seco como o osso.
Notas: