Estudos Camonianos

ntrodução aos Sonetos de Camões

 

CORPUS DOS SONETOS CAMONIANOS

Introdução*

 

1. Edições [1]

Como é amplamente sabido, só um soneto camoniano foi impresso em vida do Poeta [2] :  o soneto "Vós, ninfas da gangética espessura", publicado em 1576, na "História da provincia sãcta Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil: feita por Pero de Magalhães de Gandauo, dirigida ao muito Ill[u]s[t]re s[e]ñor Dom Lionis P[ereira] a [...]".

A primeira edição da lírica saiu, com o título de Rhythmas, em 1595;  a segunda, numa grafia desafetada, Rimas, em 1598.  Aquela continha sessenta e cinco [3] sonetos, um dos quais é dedicado a Camões ("Ao autor", no LVIII).  A segunda edição manteve este, passando-o para antes do Prólogo, num conjunto de outros dedicados ao Poeta, mas eliminou os n.os XIX ("Espanta crescer tanto o crocodilo"), de Vasco Mousinho de Quevedo [4] , e LXII, que figura nas Flores do Lima de Diogo Bernardes;  acrescentou, no entanto, quarenta e três outros, todos contidos no Manuscrito Apenso (MA) às Rhythmas, estudado e preparado por Emmanuel Pereira Filho. [5]

A edição de 1607 mantém os cento e cinco sonetos, mas seu editor, Domingos Fernandes, publicou, em 1616, uma nova série de trinta e seis sonetos, dos quais apenas trinta e dois são na verdade novos:  o no 3 é repetido, com incipit um pouco diferente, no no 29;  o no 22 é saltado;  os nos 13 e 30 já vinham nas edições de 1595 e 1598.

A edição de 1663, feita na Oficina de Antonio Craesbeeck de Mello, acrescenta mais um:  "Doce contentamento já passado", mas não inclui os de 1616.

Na mesma impressora saem, com a data de 1669 na primeira folha de rosto, as "Obras de Luís de Camões [...] com os argumentos do Lecenceado João Franco Barreto, & por elle emendadas em esta nova impressão, que comprehende todas as Obras, que deste insigne Autor se achárão impressas, & manuscritas, com o Index dos nomes proprios [...]".  Seguem-se Os Lusíadas e o Index dos nomes próprios.  Nova folha de rosto, esta datada de 1666, anuncia as "Rimas de Luís de Camões [...] Primeira, segunda e terceira parte, nesta nova impressam emendadas, & acrescentadas pelo Lecenciado Joam Franco Barreto", seguida dos poemas da primeira parte, isto é, dos poemas de 1598, mais o soneto de 1663, duas cartas e um Epitáfio em latim, da autoria de Martim Gonçalves da Camera.  A terceira folha de rosto, de 1669, "Rimas de Luis de Camões [...].  Segunda parte.  Emendadas, & acrescentadas pello Lecenceado João Franco Barreto", precede os poemas contidos na edição de 1616 e mais o poema "Da Criação do Homem".  Ainda uma folha de rosto, esta de 1668, Terceira / parte / das Rimas / do principe dos poetas / portugueses / Luis de Camões, / tiradas de varios manuscriptos / muitos da letra do mesmo Autor, / por D. Antonio Alvares / da Cunha / [...] / Por Antonio Craesbeeck de Mello [...] impressas", antecede uma série de quarenta e cinco sonetos, alguns poemas da medida nova e da medida velha, e mais duas séries de sonetos (oito mais quarenta e três), todos eles supostamente inéditos, como pretende o editor ao dirigir-se ao leitor:  "Convido-vos neste volume com os versos, que ainda não vistes do nosso grande Poeta Luís de Camões [...]".  Depois da segunda série vem a palavra FINIS, o que leva a crer que os últimos quarenta e três sonetos, todos eles encontrados na segunda centúria de FS [6] , foram copiados dos manuscritos deste.  Na verdade, dos quarenta e cinco sonetos da primeira série, um já fora publicado em 1663, "Doce contentamento já passado", e outro, "Muito há que eu soube da ventura", variante de "Grão tempo há já que soube da ventura", editado desde Ri;  os oito não numerados da segunda série são realmente inéditos;  dos quarenta e três novamente numerados, quatro (27', 28', 29' e 31') já tinham vindo à luz em 1616;  esta Terceira parte traz, pois, ao acervo do Poeta, mais noventa sonetos, perfazendo um total de duzentos e vinte e oito sonetos diversos.  Estes quarenta e três sonetos da terceira série encontram-se todos, como dissemos, na segunda centúria de Faria e Sousa e na mesma ordem, começando por FS II-1 e terminando em FS II-66;  a diferença de número se deve ao fato de Álvares da Cunha ter posto de lado vinte e dois sonetos de Faria, por já terem sido publicados anteriormente, e um ainda inédito, "Se da célebre Laura a formosura", talvez por mero lapso.  Apenas quatro sonetos da terceira centúria de Faria figuram na edição AC;  três deles têm versões quase iguais [7] , o quarto apresenta versões bastante diferentes [8] , podendo todos ter sido colhidos em fontes diversas.  Não terá tido Álvares da Cunha acesso a esta parte dos manuscritos de Faria?  De outra maneira, como explicar o não aproveitamento de tão farto material, se se utilizara, muito provavelmente, de quase todos os inéditos da segunda centúria?

De 1685 a 1689, sai a edição de Faria e Sousa, pronta [9] para imprimir no máximo em 1649, data da morte de seu organizador.  Faria segue, até ao soneto 100, a ordem de Ri;  ao terminar a primeira centúria, explica que o fez respeitando uma numeração que já se ia tornando habitual nas citações do Poeta;  a partir dali, passará a pôr os sonetos "por materias;  como se usa oy, y como es razon que sea, poniendo primero los amorosos, despues los heroicos, luego los morales, y sacros.  Esta orden guardê en la Centuria 2.  porque los Sonetos que ella contiene no andan citados[.] Despues de puesta ella, en orden hallé otros manuscritos de que nuevamente cogi 64 Sonetos [10] , y los puse por la misma orden." (FS, 1a parte, p. 191).  Os sonetos a que se refere Faria são os cento e cinco impressos em Ri e edições seguintes até 1663 [11] , exclusive, pois que não pôde ter conhecimento desta nem da JFB-AC.  Os cinco sonetos que excedem a primeira centúria irão para a terceira, onde receberão, respectivamente, os números 20, 36, 11, 12 e 28.  Na segunda centúria Faria reedita os trinta e dois sonetos de DF2, sem lhe respeitar a ordem numérica, pois, como ficou dito, organiza-os por "materias" [12] ; completam esta centúria trinta e nove dos sonetos que em AC constituem a terceira série, dezesseis das suas duas primeiras séries, um - "Espanta crescer tanto o crocodilo" - retomado de Rh e doze inéditos.  A terceira centúria de FS compõe-se dos cinco sonetos de Ri que excediam a primeira centúria (v. atrás), mais quatro de AC e cinqüenta e cinco inéditos.  Com a publicação, portanto, da edição de Faria, sobe a duzentos e noventa e seis o número de sonetos (diversos) editados atribuídos a Camões.

A edição de 1720 é a primeira que os edita todos;  repete, no entanto, seis, de onde ocorre trazer trezentos e dois sonetos.

No século XIX, Juromenha acrescentará mais cinqüenta em sua edição de 1860-69;  Teófilo Braga, sete na edição do Parnaso de 1873 e outros vinte e quatro na edição de 1880;  neste mesmo ano, meses antes, Wilhelm Storck acrescentara mais dois sonetos em sua edição bilíngüe [13] .

Que informavam os organizadores dessas edições sobre a procedência dos textos que publicavam e a posição que assumiam?  Bem pouco.

1.1. Na primeira edição (1595), Estêvão Lopes, na dedicatória a D. Gonçalo Coutinho, diz apenas que pôs "no teatro do mundo" "esta parte das obras de Camões" "na mais pura e emendada impressão" que pôde ter.  No "Prólogo aos Leitores", não assinado, mas que mais tarde se atribuirá a Fernão Rodrigues Lobo Soropita, este aponta para o fato de alguns sonetos serem feitos sem cuidado, o que se deve "à importunação de amigos, onde acontece muitas vezes acudir mais à pressa com que os pedem, que à obrigação de os limar, e despois sem vontade do autor se publicam por seus , e outros à volta disso que o não são, como aqui aconteceo no soneto 19, que despois do impresso se soube que não era seu" [14] .  Mais à frente, lembra "que os erros que houver nesta impressão, não passaram por alto a quem ajudou a compilar este livro, mas achou-se que era menos inconveniente irem assi como se acharam por conferência de alguns livros de mão, onde estas obras andavam espedaçadas, que não violar as composições alheas, sem certeza evidente de ser a emenda verdadeira, porque sempre aos bons entendimentos fica reservado julgarem que não são erros do autor, senão vício do tempo, e inadvertência de quem as trasladou." E, ao terminar, ainda insiste: "E por isso se não bolio em mais que só naquilo que claramente constou ser vício de pena, e o mais vai como se achou escrito [...]" (Rh, fo. [IX v]).

1.2.  Na segunda edição (1598), Estêvão Lopes escreve, no início do "Prólogo ao Leitor":  "Depois de gastada a primeira impressão das Rimas deste excelente poeta, determinando dá-lo segunda vez à estampa, procurei que os erros que na outra por culpa dos originaes se cometeram, nesta se emendassem, de sorte que ficasse merecendo conhecer-se de todos por digno parto do grande engenho de seu autor."  e adiante insiste em patentear sua preocupação de que o texto camoniano seja o mais correto:  "em quanto pude o comuniquei com pessoas que o entendiam, conferindo vários originaes, e escolhendo deles o que vinha mais próprio ao que o Poeta queria dizer, sem lhe violar a graça, e termo particular seu, que nestas cousas importa muito." Por fim, lembra que acrescentou vários poemas:  "muitas poesias que o tempo gastara, cavei apesar do esquecimento em que já estavam sepultadas [...]" (Ri, [fo. VIII-VIII v]).

1.3. Na segunda parte das Rimas (1616), seu editor, Domingos Fernandes, que imprimira a primeira em 1607, diz que gastou sete anos "em ajuntar estas Rimas por estarem espalhadas em mãos de diversas pessoas", exorta "os coriosos da lição Poética, e estudiosos cortesões, e senhores ilustres" a que comprem o livro, pedindo-lhes:  "se neste livro se acharem alguas cousas que não sejam de Camões, não me ponham culpa, que com boa fé as dei a impressão com muita diligência" (DF2, fo. [II v-III]).  Nesta edição reimprime-se o Prólogo anônimo de Rh, desta vez atribuído a Fernão Rodrigues Lobo Soropita.

1.4. Na edição de 1663 nenhuma informação é dada pelo editor Antonio Craesbeeck de Mello.

1.5.  A outra edição que acrescenta poemas é a de Álvares da Cunha (1668), que a dedica ao príncipe D. Pedro, com palavras em que mistura o louvor ao Poeta e a lisonja ao príncipe:  "eu me persuado que a alta Providência deixou estas [rimas] para satisfazer o merecido a este tão insigne Autor, encobrindo-as com as trevas do esquecimento mais de cem anos, para que saíssem à luz entregues à protecção de V.A.  [...]".  Bem menos extenso - apenas dez linhas - é o seu convite ao leitor:  "Convido-vos neste volume com os versos, que ainda não vistes do nosso grande Poeta Luis de Camões, que os trabalhos dos estudos nos trouxeram à mão, de vários manuscritos, muitos da letra própria do Autor;  pouco hei mister para vos fazer crer esta verdade, porque eles mesmos testemunham quem os fez [...]." ???  E mais não diz, nem ao menos menciona os papéis inéditos de Faria, que certamente utilizou.  Como assinala com justeza Jorge de Sena, "a maneira caótica e desordenada como esta Terceira Parte está organizada, a vasta quantidade de apócrifos que indubitavelmente acrescenta ao corpus camoniano, o silêncio, por parte de pessoa tão altamente responsável, pelas funções culturais e cargos públicos, acerca de como usou as suas fontes, não autorizam, de modo algum, o prestígio de que tem gozado Álvares da Cunha, em face do Faria e Sousa de quem se serviu." [15]

    1.6. Autor de uma monumental edição das Rimas de Camões, cujas notas agudas e eruditas são as mais extensas e penetrantes até hoje escritas, Faria e Sousa acrescenta, como ele mesmo diz, mais de cem outros sonetos aos que encontra impressos.  Referindo-se aos trinta e seis da edição de 1616, chama a atenção para o fato de serem alguns repetidos e diz que saíram "tan viciados todos que puedo afirmar los doy de nuevo, aviendo los restaurado por los manuscritos que alcancè, de los quales cogi tambien de nuevo mas de otros ciento." (FS, 1a parte, p. 191).  Insiste em deixar claro o seu critério de aperfeiçoamento do texto:  "las muchas imperfecciones que avia en los impressos, reparè con los manuscritos;  y las que [estavan] en los manuscritos con ellos propios;  porque hallando en ellos copiado algunas vezes cada Poema, estava cierto en uno lo que viciado en otro:  y desta manera, sin meter la hoz en la agena mies, lo he reduzido todo al mejor estado en que el P. lo dexó." (ib.).  Isso diz Faria ao fim da primeira centúria e, logo no início da segunda, em comentário ao soneto no 2, "De amor escrevo, de amor trato e vivo"  (nosso 191), reafirma sua decisão de "traer muchas cosas que andan en Impressiones y manuscritos por de mi Poeta, y de otros Escritores:  pero destas no traerè sino las que a toda buena luz parecieren suyas;  y tengalas cada qual por de quien fuere su gusto;  que quando sean de otro;  él recivirá esta honra de que las tengamos por de Camões;  y el Letor nos deve agradecer el darle este luzido entretenimiento." (FS, 1a parte, p. 196).  Com estas confissões, o grande camonista ofereceu largo flanco aos ataques que lhe têm sido feitos por muitos, alguns igualando em animosidade o Professor Costa Pimpão que, falando de Álvares da Cunha e Faria e Sousa, depois de lembrar que Carolina Michaëlis os responsabilizava "pela desordem a que chegou a lírica de Camões", diz que entre os dois era preciso "fazer uma distinção essencial:  a que vai de um homem sem senso crítico, mas de boa-fé, a outro sem uma coisa nem outra."  (CP, p. XL).  Ora, boa-fé é o que não se pode negar que tenha Faria e Sousa.  Possuidor de inúmeros manuscritos, compulsava-os, escolhia a melhor forma e...  confessava-o .  Confessava ainda (e podia não o ter feito) que um tal soneto, até então atribuído, sem contestação, a Camões, fora por ele encontrado em um manuscrito com o nome de outro autor.  É o caso, por exemplo, dos nossos sonetos 64 e 66 - "Que vençais no Oriente tantos Reis" e "Fermosura do Ceo a nós descida" -, ambos publicados nas duas primeiras edições e que Faria diz ter encontrado também em nome de outros poetas:  de Simão da Veiga, o primeiro;  de Francisco de Andrade, o segundo.  Que razão, senão a da boa-fé, levaria o editor a lançar dúvidas sobre a autoria até então indiscutida de dois sonetos do seu Poeta?  E o curioso é que as edições do século XX, diante de situações iguais, tiveram procedimentos diversos:  aceitaram o primeiro e rejeitaram o segundo.  Outro exemplo com bastante força persuasiva parece-nos o dos comentários de Faria ao soneto "Horas breves de meu contentamento", que vem nas obras de Diogo Bernardes, e a ele atribuído no Cancioneiro de Fernandes Tomás, mas dado como do Infante D. Luís no Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro e na Fénix Renascida.  Faria di-lo de Camões, com toda a convicção, afirmando ser "amigo de la verdad, y de que a nadie se quite lo que es suyo".  Informa ao Leitor que encontrou o soneto num manuscrito, entre outros, todos de Camões (os nove que cita estão no Cancioneiro de Cristóvão Borges) mas esclarece o que, se não tivesse boa-fé, preferiria calar:  que uns têm em cima o nome do Poeta e outros, não.  Faria confessa que retocou alguns sonetos, escolhendo a melhor forma de que dispunha [16] ;  Álvares da Cunha cala.  Por isso, Costa Pimpão, ao ver que determinados sonetos apresentam versões diferentes nos dois editores, opta pela do segundo, dizendo que a outra "nunca foi de Camões..." (CP, p. XLV).  Alguns casos, como o do nosso soneto n.o 142, "Onde porei meus olhos, que não veja", nos parecem perturbar essa certeza:  neste, o texto de Faria, bem diverso do de Álvares da Cunha, transcreve exatamente o de Diogo Bernardes.  Se este último não fosse conhecido, concluir-se-ia que mais uma vez se estava diante de um libérrimo retoque do "fraudulento" [17] editor.  Os sonetos "retocados" seriam possivelmente bem menos numerosos se tivéssemos acesso aos manuscritos compulsados por Faria.

Esta nossa argumentação [18] não pretende encobrir o fato de que Faria apurou a forma (ele mesmo o disse) dos textos que utilizou;  há mesmo alguns tiques que distinguem as suas versões, e nenhum tão freqüente como o horror à diérese, o que se explica pela distância de cerca de setenta anos que medeiam entre o Poeta e o editor, durante os quais houve uma progressiva tendência à sinérese e à sinalefa.  O mesmo afastamento temporal justifica a sistemática substituição de ua, algua, por uma, alguma;  o que não tem explicação é pôr - em lugar das contrações pelo e suas formas flexionadas - por o, por a, etc.  Faria "corrige" também, várias vezes, as construções com anacoluto e pleonasmo.

Com todas as falhas que se lhe possam apontar, a edição de 1685-89 tem uma importância que não se pode contestar e é em Jorge de Sena que encontramos consonância com o nosso pensamento acerca do grande editor:  "Para Faria e Sousa o essencial era, na dúvida de autorias, salvar e coligir o máximo que lhe parecesse camoniano [...].  Isto não era, de modo algum, apenas o delírio de uma devoção excessiva:  era a lúcida consciência de um poeta e de um crítico que via a obra de Camões ter ficado dispersa, ao sabor de colectâneas ocasionais (como a Primeira e a Segunda parte o eram), e em risco de desaparecer na desaparição progressiva dos cancioneiros de mão, que já começavam a ser cópias de cópias [19] ."

1.7.  As edições das obras camonianas foram-se sucedendo, melhores ou piores, até ao fim do século XVIII, quando Tomás José de Aquino, increpando muitas delas e desejando vingar Camões "das injúrias e afrontas que lhe haviam feito Editores ignorantes, nos multiplicados erros que lhe tinham publicado as suas Obras", decide "regular" sua edição pelos "exemplares" da "de Manuel de Faria e Sousa, não só como mais certos, senão também como mais bem ordenados."  Três foram as edições de Aquino:  1779-80 (na qual não saiu seu nome), 1782 e 1815.  Os sonetos são ordenados até 264, como na edição de Faria;  a essa altura, o editor põe uma nota em que informa que, a partir deste "Joseph Lopes Ferreira, imprimindo em Lisboa no ano de 1720, em 1 vol. de folha, todas as obras de Luís de Camões, acrescentou os que se seguem, sem vos dizer onde haviam sido achados" (são os sonetos que estão na edição de Álvares da Cunha e não na de Faria).  Acrescenta Aquino que os mesmos sonetos figuram na edição de 1759, acrescentando:  "nem por isso ficamos por fiadores de que todos sejam de Luís de Camões.  Os Leitores inteligentes, que forem versados na lição das Obras do Poeta, farão seu juízo."  Embora critique edições anteriores que repetem alguns sonetos, não evita a repetição de cinco (que apresentam, é bem verdade, variantes) [20] na sua, que tem trezentos e um.  Até esta edição há, portanto, duzentos e noventa e seis sonetos atribuídos a Camões impressos em suas Rimas.  Como vimos, não foi ela a primeira a acrescentar os sonetos de Álvares da Cunha aos da edição de Faria e Sousa, mas tomamo-la como referência porque a ordem de seus sonetos é a que seguirá Juromenha, e algumas alterações neste encontradas já vêm em Aquino.

1.8. De 1860 a 1869 saíram os seis volumes da edição das Obras de Camões organizadas pelo Visconde de Juromenha.  O segundo volume, que contém os sonetos, é de 1861.  Na "Advertência preliminar", depois de alguns comentários sobre as edições quinhentistas, algumas seiscentistas e a setecentista de Tomás José de Aquino, Juromenha deixa transparecer sua felicidade por ter conseguido, "depois de tantos anos decorridos [...], extrair alguma cousa de novo de um terreno trabalhado por tantos cultores e mãos mais hábeis".  Revela suas descobertas:  "um pequeno manuscrito do século XVII que pertenceu a D. Cecília de Portugal, por ela escrito", um cancioneiro do século XVI (o de Luís Franco), outro manuscrito do século XVII ("ou antes manuscritos, porque são dois encadernados na mesma capa"), que é o que se conhece como Manuscrito Juromenha e ainda alguns outros, quase todos do século XVII, dos quais diz que extraiu "como agulha em palheiro uma ou outra poesia, sem que de algumas [possa] denunciar de uma maneira positiva a origem."  Nas notas ao soneto 315, Juromenha refere-se ainda a um manuscrito "do século passado".  Dos manuscritos por ele apontados, conhecemos os três primeiros;  nos dois últimos encontramos atribuição de autoria feita pelo copista;  em suas notas referentes aos sonetos de outros cancioneiros (que desconhecemos), ora Juromenha diz que os encontrou com o nome de Camões, ora diz que num manuscrito eram atribuídos ao Poeta e noutro a outro ou outros, ora nada diz.  Quatro vezes lança ele mesmo a dúvida sobre a autoria:  nas notas aos sonetos 325 e 343 diz desconfiar de não serem os mesmos de Camões, enquanto sobre os sonetos 344 e 345 diz não saber se seriam antes uma crítica a passos d'Os Lusíadas.  No caso do Cancioneiro de Luís Franco, também a atribuição à margem, "posta por letra mais moderna, mas por pessoa versada, e que parece ter examinado outros manuscritos", justificaria a admissão dos sonetos [21] , sob cautela, mas no de D. Cecília, nem isso;  assim, o aproveitamento de cinco sonetos deste manuscrito é de inteira responsabilidade de Juromenha, que nem regista a seu respeito uma dúvida, como fizera a respeito dos quatro atrás citados, todos de Luís Franco.

1.9. Na Introdução à sua edição do Parnaso, de 1880, Teófilo Braga dá os incipit dos sete sonetos do Cancioneiro de Luís Franco, que incluíra na de 1873, e fala dos novos acréscimos que trará à que está apresentando:  um soneto de Luís Franco, que lhe passara despercebido e para o qual Storck lhe chamara a atenção, e os sonetos retirados do manuscrito que encontrou na Academia das Ciências de Lisboa [22] e dos quais diz:  "Neste apenso manuscrito acham-se muitos Sonetos admiravelmente camonianos, uns visivelmente do poeta, como este a fl. 83, vo:  Que doudo pensamento é o que sigo" (Par II, p. XXX).  As afirmações de Teófilo Braga são infundadas:  além de, no manuscrito, não haver uma só atribuição a Camões, um dos sonetos é atribuído a Valentim Silva e outro a Martim de Castro.  Braga os transcreve, pondo a atribuição entre parênteses.  Mais tarde, em 1891 [23] , reconhece que utilizou textos apócrifos.  Por lapso, Teófilo Braga não inclui em Par I e II o soneto "Deixa, Apolo, o correr tão apressado". Com a contribuição de Teófilo Braga e mais as que se mencionaram na nota 13, eleva-se a quatrocentos o número de sonetos alguma vez atribuídos a Camões;  nossa edição registra estes quatrocentos.

1.10. Os editores do século XX, dando-se conta da grande soma de textos altamente duvidosos acrescentados ao acervo do Poeta, resolveram fazer edições "expurgadas".  Os primeiros foram José Maria Rodrigues e Afonso Lopes Vieira, responsáveis pela edição da Lírica de Camões, de 1932.  Num extenso "Prefácio", acusam acerbamente Faria e Sousa, chamando-lhe falsário e lembrando as suas "repetidas e indecorosas fraudes [...] urdidas a favor da sua própria tese" [24] . Consideram "caricatural" a fase das edições de Juromenha e Teófilo Braga, e declaram que na sua edição entraram, "para honra do génio de Camões, apenas as composições que, no entender dos editores, averiguadamente lhe pertencem, embora não seja improvável, dado o estado em que encontraram o magno problema da Lírica, que algumas composições hajam ainda de ser retiradas ou tenham de vir a ser admitidas."  (RV, p. XXVIII).

Sua indignação contra a tese de Natércia só encontra paralelo no entusiasmo com que defendem a sua, da Infanta D. Maria, que os leva a reordenar os sonetos segundo "um pensamento de ordenação espiritual" [25] que induz o leitor à interpretação que lhe propõem os editores, isto é, de que D. Maria, filha de D. Manuel I, teria sido o único grande amor do poeta.

Esclarecem que sua edição tomou para base as duas do século XVI e que eliminou, "além dos apócrifos editados e já reeditados por Juromenha, os acrescentados por T. Braga na sua edição de 1880".  Não esclarecem, contudo, onde foram buscar os cem que excedem aos noventa e oito tirados das duas primeiras edições [26] .  A resposta a esta pergunta do leitor é dada por Costa Pimpão (CP, p. XIX-XXIV) que nos facilita o trabalho da pesquisa:  vinte e cinco vêm da edição de 1616;  catorze, privativos de Faria e Sousa;  vinte e um, privativos de Álvares da Cunha;  vinte e cinco, comuns às edições de Faria e A. da Cunha, sendo dez em lições independentes e quinze em lições comuns;  doze, de Juromenha.

Não é fácil entender como, depois de um tão duro julgamento de Faria e Juromenha, Rodrigues e Vieira os tenham utilizado como fontes de sua edição;  também não se explica a opção por determinados sonetos em detrimento de outros que têm as mesmas qualificações.

Outro fato que também surpreende em editores de tal envergadura (sobretudo o Dr. José Maria Rodrigues) é o de seguirem o texto de Faria quando este diverge de outro ou outros, como se pode verificar confrontando os versos dos sonetos de nos 77, "Quando se vir com a ágoa o fogo arder";111, "Pues lágrimas tratáis, mis ojos tristes"; 127, "Quem podera julgar de vós, Senhora";129 "Ah! imiga cruel! que apartamento", (respectivamente nossos 159,158,151,161) etc.

A seleção dos sonetos em RV é bastante arbitrária;  um soneto é às vezes excluído por ter mais de uma atribuição, outro em idênticas condições é conservado.  São, por exemplo, retirados sem explicação e sem que se perceba o motivo, os sonetos:  Rh 15 nosso 21), que figura também em Ri 21 e - o que à altura os editores talvez ignorassem - em M, fo. 22, atribuído a Camões;  os Ri 102 e 103 (nossos 102 e 103), ambos constantes de MA e sendo o segundo atribuído a Camões por PPR;  quatro sonetos de DF2;  quinze de AC;  trinta de FS [27] .  Em Jur, Rodrigues e Vieira buscam oito sonetos de LF, dos quais dois também estão em FT;  três numa boa zona de LF e quatro numa zona de baixa credibilidade;  dos dois que vieram do manuscrito de D. Cecília, um é dito de Camões por PPR;  do outro nada se sabe;  de um manuscrito não nomeado, RV traz o soneto "Quão cedo te roubou a Morte dura", que vem nas obras de Estêvão Rodrigues de Castro.  A par daquela exclusão não justificada, conservam um soneto como o AC 39, "Se, como em tudo o mais fostes perfeita"(nosso 177), que HC e CP excluíram, por encontrar-se nas Rimas Varias / Flores do Lima, de Diogo Bernardes [28] .  Não se explica também o duplo tratamento dado a sonetos que PPR atribui a Bernardes: RV aceita DF2 1, "Cantando estava um dia bem seguro" (nosso 106); DF2 3 (29), "Doces ágoas e claras do Mondego" (nosso 108) e DF2 27, "Julga-me a gente toda por perdido"(nosso 130) , enquanto rejeita DF2 10, "Correm turvas as ágoas deste rio"(nosso 115).

Essa arbitrariedade de conduta parece-nos talvez explicável pelo método que os editores dizem ter aplicado na determinação do valor das "peças de autoria anônima ou suspeita origem":  "Sujeitamos cada composição ao tríplice critério da qualidade da linguagem, do significado psicológico e do valor intrínseco." Como se vê, só o primeiro pode ser objetivamente aplicado;  os outros são inteiramente subjetivos.

1.11.  O Professor Hernâni Cidade, no bastante minucioso Prefácio de sua edição (1946), fala da organização da mesma, que segue a da Empresa Fluminense (na verdade já antes utilizada por Teófilo Braga, em Par):  os poemas vêm dispostos, "em primeiro lugar, nas séries constituídas pelas edições que sucessivamente no-los foram dando;  em segundo lugar, pelos géneros por que se distribuem.  De nossa iniciativa, apenas o aproximar entre si, dentro de cada série [...], os que exprimem estados de alma fundamentalmente os mesmos - o gracioso, o irónico, o satírico, o dramático" (HC, p. XLVIII-XLIX).  Diz que prefere a lição da primeira edição, a não ser quando esta se mostra "defeituosa, por adulterada, e quando a modificação se circunscreve a um retoque levíssimo", mas que, pelas variantes aduzidas, o leitor se dará conta da alteração aceita.  Ainda lembra que sua edição foi feita sobre a de 1932 [RV].  Ressalta também o desejo de, "sem prejudicar a tentativa de informação erudita, tornar accesível a todo um público muito mais largo a sua leitura" (HC, p. L-LI);  é o que procura conseguir com as notas que apõe aos poemas.

Nas seleção dos sonetos, porém, Hernâni Cidade também toma posições inexplicáveis, talvez por seguir RV.  Como os editores desta, ora repele, ora aceita sonetos que PPR diz de Bernardes;  o DF2 10, por exemplo, que RV rejeitara por este motivo, volta em HC.  Da mesma DF2, é o único a incluir o soneto 35, recusando, como os outros, os de n.os 33, 34 e 36;  tem razão em fazê-lo, pois nenhuma dúvida pesa sobre a autoria do n.o 35, mas nada há, também, contra o 34 e o 36, que têm a dar-lhes mais credibilidade a presença em zona muito camoniana de LF e são atribuídos a Camões em M (mas disso não parece ter tido notícia o saudoso mestre) [29] .  De Rh, Ri e DF2, ele repõe os sonetos tirados sem razão por RV, a não ser no caso dos acima citados.  De AC, repõe 4 tirados sem razão por RV e 1, com dupla atribuição de PPR, e tira 1 por ser este atribuído a Bernardes [30] .  De FS, procede exatamente como RV, com bastante falta de lógica.  Nos sonetos buscados em Juromenha, procede como RV, retirando, contudo, o soneto de Estêvão Rodrigues de Castro.

1.12.  Enquanto RV e HC, têm, respectivamente, 195 e 204 sonetos, CP (1953) reúne um total de 166.  Seu editor, que critica os critérios de RV, faz retornar ao "patrimônio camoniano" 5 dos sonetos banidos em 1932: Rh 15, Ri 102 e 103, e DF2 10 e 23;  não vê motivos para excluir os 3 primeiros e o último (e tem razão);  quanto ao penúltimo, mantém-no como aos DF2 1, 3 (29) e 27, todos atribuídos por PPR a Diogo Bernardes, embora não andem em suas Rimas varias, e explica:  "O soneto Correm turvas as águas deste rio pode, talvez, externamente, não ser tipicamente camoniano;  no ponto de vista crítico, porém, está em situação idêntica à de outros, aproveitados pelos editores de 1932." Nada diz sobre DF2 1 e 27, mas comenta a inclusão de DF2 3 (29):  "O soneto [b] ["Doces e claras águas do Mondego"] só muito indulgentemente mesmo encontra lugar entre os de Camões, pois, além de Bernardes, aparece com outra atribuição:  D. João de Lencastre, Duque de Aveiro.  Todavia, incluímo-lo porque o soneto é bom, e porque a sua tradição camoniana é respeitável." (CP, p. XXXI-XXXII).  E é com critério semelhante a este - marcado pela subjetividade - que refuga DF2 35 ("Dos Ceos à Terra dece a mor beleza"):  "é vulgar, e, embora não tenha aparecido outro pretendente, não faz falta num cancioneiro de Camões."  (Grifos nossos)

Também não é convincente o argumento para excluir DF2 36 ("Porque a tamanhas penas se oferece"):  "vem nas obras de Francisco Galvão (ed. 1791, t. 1o, p. 96)", pois que, como bem observa Chorão de Carvalho (TLC, p. 60-62), a atribuição a Camões é anterior a esta de quase dois séculos.  Menos compreensível ainda nos parece o fato de dar o editor a mesma explicação para afastar dois sonetos que vêm em AC e FS ("por nos parecerem indignos da pena de Camões e terem sido recolhidos tardiamente" [CP, p. L-LI]), quando um deles (AC 39) vem nas Rimas varias de Diogo Bernardes, enquanto o outro (AC 13) até agora não tem nenhuma outra atribuição.

Outra posição contestável de Costa Pimpão é a de excluir in totum os sonetos que apareceram pela primeira vez em FS, reproduzidos por AC (3a série) ou não, ainda que em nenhuma outra edição ou manuscrito haja atribuição diferente.  O ilustre editor faz questão de ressaltar essa sua atitude, acentuando-a com a utilização do negrito:  "Não admitimos nenhum soneto privativo de Faria e Sousa" e em abono seu cita o próprio Faria, que confessa ter retocado os textos, depois de confrontar mais de um manuscrito e escolher o que lhe pareceu melhor.

Baseado na sua repulsa por Faria, Costa Pimpão critica Hernâni Cidade por ter incluído em sua edição o soneto "Ditosa pena, como a mão que a guia", publicado por Faria (FS II-87).  Defendendo-se da crítica, Cidade tece alguns comentários sobre a leitura precipitada feita por Pimpão do texto dos comentários de Faria e conclui, dizendo:  "Se Faria e Sousa é, na verdade, pessoa desautorizada, não nos parece que o seja ao ponto de excedermos a prudente reserva que é de uso em face de entusiastas do seu teor.  A repulsa sistemática é número simétrico da sistemática aceitação."  (CL, p. 334).

Dos sonetos que Juromenha tirou de LF, Costa Pimpão conserva apenas os dois que estão em FT, atribuídos a Camões:  Jur.  337 e 339.  Dos outros vários manuscritos utilizados por Juromenha, mantém Jur. 317, atribuído a Camões por PPR.

1.13.  Em 1963, António Salgado Júnior reuniu num volume as Obra Completa de Camões, publicando nas Rimas todas as peças publicadas pelos editores do século XX "quer a admissão de cada composição seja comum a todos eles, quer um só deles a tenha admitido."

 

2. Estudos para a fixação do Cânone

Nas três edições do século XX já havia a preocupação de fixar um cânone das Rimas e vimos que em todas se podem apontar acertos e falhas.  Vistas as edições, passamos a alguns estudos que se fizeram com a mesma finalidade.

2.1.  Começamos pelo importante estudo de Jorge de Sena, Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular, de 1969.  Sua proposta é de buscar "um cânone autoral e textual, fixado a partir do que, nas edições primeiras [às quais se acrescentariam as composições trazidas pelas edições de 1616 e 1663], pode formar um conjunto tão camonianamente válido quanto possível, [...] um cânone básico pelo qual aferir-se da mais ou menos provável autoria camoniana de composições duvidosas."  À luz deste cânone, assim estabelecido, e também "à luz de uma rigorosa investigação de dados externos" é que se poderia resolver a questão da autoria dos sonetos de AC e FS, no século XVII, e Jur. e Par (I e II), nos séculos XIX e XX.  (SC, p. 5 e 6).  As exclusões - numerosas - ou inclusões - raras - que faz, fâ-las baseado "nos dado da erudição e na análise da forma externa e (quando necessário) da forma interna dos sonetos."  (SC, p. 177).  Da forma externa dos sonetos, o elemento que destaca é o esquema rímico dos tercetos, chegando à verificação de que os esquemas mais utilizados em Rh, Ri, DF2 e 1663 são:  cde cde; cdc dcd; cde, dce; cdc cdc, nas percentagens de:  53%, 28%, 13% e 6%.  Embora tenhamos o maior respeito por este admirável pesquisador que foi Jorge de Sena, cuja inteligência e cultura serão dificilmente igualadas, nem sempre concordamos com suas decisões, como adiante se verá.  De Rh, Jorge de Sena retira os sonetos 8 e 61, que constam de RV, HC, CP, e 19, 50, 62 e 64, já excluídos destas edições, mas reconduz o no 25, por elas recusado.  De Ri, mantém a exclusão do no 90 e exclui os sonetos 4, 71, 76, 83 e 95.  De DF2, retira os sonetos 1,3 (29), 11, 24, 25, 26, 33, 34 e 36.

Destes, dois aparecem nas listas de PPR com atribuição dupla a Camões e Diogo Bernardes:  são os sonetos Rh 8 e Ri 71, o primeiro dos quais - "Todo o animal da calma repousava" - vem em M entre poemas camonianos, encimado pela abreviatura "Cam".  Jorge de Sena, por lapso, diz que a atribuição é a Martim de Castro, o que deve tê-lo levado à exclusão que não se justifica, pois que o soneto está nas duas edições quinhentistas e num manuscrito do fim do século XVI;  as duas atribuições de PPR se neutralizariam.  Do segundo soneto - "Já a saudosa aurora destoucava" - lembra J. de Sena que vem nas listas de PPR como "Já a roxa e branca aurora destoucava", que é a forma que adota  Faria e Sousa.  Reconhece que seu esquema rímico é mais camoniano que bernardiano, mas, certo de que o soneto está na situação "da duplicação pura e simples", considera-o incerto e acaba por excluí-lo do cânone.

Ora, enquanto não se pode, como deseja o insigne camonista, "demonstrar cabalmente em que medida as suas obras [de Bernardes], mesmo organizadas por ele para publicação, se o foram, não terão sido remexidas e quiçá forrageadas por Estêvão Lopes para engrossar o seu cabedal de inéditos", perguntamo-nos se este editor - que tinha em mãos os originais dos dois poetas - não poderia também ter "forrageado" as obras de Camões para engrossar o cabedal de Bernardes.

Os sonetos Ri 3 e 7, 4 e 76, bem como os DF2 1 e 7, 10, 27, são atribuídos a Diogo Bernardes em PPR, mas têm destino desigual, dependendo do esquema rímico de seus tercetos.  Ri 4 e 76 são excluídos, bem como DF2 1, porque apresentam o esquema cde ced, que Sena diz só aparecer nestes, mas, na verdade, está também em Rh 64, que foi banido do cânone porque Faria e Sousa o viu atribuído a Francisco de Andrade e não pelo esquema, pois Sena, por lapso, diz que o soneto apresenta nos tercetos a rima cdc dcd (SC, p. 28 e 33).  Não nos parece que a eventualidade do uso de um esquema seja argumento bastante para a exclusão, pois que o próprio Jorge de Sena, em quadro rico de informações, mostra que Petrarca usou dois esquemas na percentagem de 0,25% e um na de 1,5%;  Bembo, um na de 0,7% e um na de 1,3%;  Bernardes, três na de 0,5%.  A percentagem do esquema cde ced em Camões seria de 2,8%.  A autoria parece-nos duvidosa, como a de outros sonetos que o autor mantém "com uma sombra de dúvida" ou "sombreados de suspeita".

É assim que permanecem no cânone os sonetos Ri 3 e 7, e DF2 7 e 27, e mesmo o DF2 10, cujo esquema rímico Sena confessa ser três vezes mais bernardiano que camoniano.

Não nos parecem também muitos coerentes os dois procedimentos tidos com os sonetos Rh 20 e 50.  O primeiro, que PPR diz de Camões, foi banido das edições do século XX por encontrar-se, em forma bem semelhante, nas Rimas varias, de Diogo Bernardes.  Jorge de Sena, lembrando Carolina Michaëlis, que sugerira várias hipóteses para explicar a coexistência dos dois textos ("Imitação?  Mera variante?  Plágio?  Certame sobre um tema dado?  Confusão de papéis?"), acredita que tenha havido "imitação paralela, muito corrente na época".  Aponta diferenças e semelhanças entre as versões, achando que elas se caracterizam como de dois poetas distintos;  dois sonetos autônomos, pois, "ambos traduzindo [talvez] um qualquer soneto célebre da Itália quinhentista";  por isso o mantém.  O segundo, retirado por RV, HC e CP por constar das Rimas varias, é excluído por Jorge de Sena, apesar de este apontar para o fato de ser o seu esquema rímico o segundo mais usado por Camões e minoritário em Bernardes.  O caso dos dois sonetos não é igual:  naquele, havia duas versões;  neste, uma só.  Mas o andar nas obras de Bernardes será prova sólida de que é ele o autor do soneto?  Que segurança nos dão as três edições custeadas por Estêvão Lopes - Rh, de 1595;  Rimas varias, de 1597;  Ri, de 1598 - se todas trazem este soneto, atribuído duas vezes a Camões e uma a Bernardes?  Teria sido conservado em Ri por lapso, uma vez que saiu do índice?  Ou teria permanecido porque em DB saíra por lapso?

Dos quatro últimos sonetos de DF2 - 33, 34, 35 e 36 - Jorge de Sena conserva, com H. Cidade, o terceiro, o que parece também discutível.  Em comentário ao primeiro, diz que desconfia dos quatro porque, vindo juntos ao fim do volume de Domingos Fernandes, atestariam, com suas dedicatórias a Cristo ou à Virgem (e acrescentaríamos nós:  impressos em itálico, em tipo bem maior, um soneto por página), "uma muito anormal devoção" de Camões e aliviariam "a suspeição com que a censura leria um Camões coligido por ele [D. Fernandes], que precisava do livro para ganhar a vida".  (SC, p. 140).  A este argumento se poderia responder, lembrando que tal agrupamento de poemas não é novidade de DF2, pois que os sonetos 33, 34 e 36 já vêm agrupados em M, fo. 110 vo, 111 e 111 vo, seguindo-se-lhes as redondilhas de "Sobre os rios que vão" e o soneto "Nos rios da Babilónia assentado" (todos explicitamente atribuídos a Camões no manuscrito);  em LF estão na mesma página dois deles:  o 33 e o 36.  A situação geral dos quatro é a seguinte:  os de números 33 e 36 são ditos de Camões em M e estão em boa zona camoniana em LF;  ambos figuram em OI, atribuídos a Francisco Galvão (1792);  o 33 também é atribuído a André Falcão de Resende, embora Roger Bismut diga que não o encontrou entre as obras deste poeta.  O 34 vem em M (Camões) e em LF e CrB em posição ótima;  o 35 não vem em nenhum manuscrito, mas também não é atribuído a outrem.  Assim, dos quatro sonetos, dois se tornam suspeitos por serem ditos de outros poetas (embora, como vimos, OI seja de 1792 - quase dois séculos depois de DF2 - e, segundo Bismut, o soneto 33 não ande nas Obras de Falcão), o que levaria à exclusão de ambos.  Quanto aos outros dois - 34 e 35 -, o mais digno de fé a uma análise externa é o primeiro:  está em M (Camões) e numa zona de LF que o próprio Sena reconhece ser ótima, além de se apresentar em CrB num conjunto camoniano;  o segundo não vem em nenhum manuscrito.  O 34, porém, tem o esquema rímico cdc ddc, o mesmo do 36, só encontrado nestes dois, ao passo que o outro apresenta o esquema cdc dcd, o segundo em Camões.  A isto se deve a exclusão daquele e a inclusão deste:  "duvidoso, mas - em que nos custe - camoniano".  Gostaríamos de ajuntar uma observação:  o esquema "extravagante" (cdc ddc) não teria sido usado pelo Poeta justamente porque estava tratando de matéria não habitual em sua lírica?

Haveria ainda alguns casos dignos de discussão, de que voltamos a falar nas Notas aos sonetos. [31]

2.2.  Em sua alentada obra La Lyrique de Camões, Roger Bismut baseia o estabelecimento do cânone lírico camoniano em aproximações formais entre Os Lusíadas e a Lírica.  Para tal, compõe um "índice das passagens d'Os Lusíadas que apresentam analogias com a Lírica de Camões".  O seu convívio quase diário, durante cerca de dez anos, com o texto d'Os Lusíadas (que traduziu para o francês) o familiarizou com "les rythmes camoniens, les images, les thèmes, les modes de penser du poète, la tonalité de ses joies et ses peines, son lexique enfin, son lexique surtout." [32] (LC, p. 9). Insiste em dizer que não recorreu a computadores, não fazendo, pois, "um estudo lexicológico exaustivo" que um dia deverá ser feito, para que em seus levantamentos se apóiem outros especialistas, cujas "conclusions, appuyées sur d'irréfutables statistiques, recouperaient les nôtres, atteintes empiriquement, et forcément entachées de subjectivité" [33] (ib.). 

É esta subjetividade confessa que nos leva - apesar do profundo respeito que temos a sua monumental pesquisa - a desconfiar dos resultados a que chega, ao vê-lo concluir, em comentário ao soneto DF2 35, "Dos Ceos à Terra dece a mor beleza":   "En fait, c'est l'allure générale du sonnet qui nous fournira une présomption déterminante d'authenticité." [34]   (LC, p. 286);  ou dizer, ao terminar a argumentação a favor da autoria camoniana do soneto DF2 33, "Para se namorar do que criou":  "Bien que notre conclusion en faveur de l'authenticité de ce Sonnet soit fondée sur plusieurs données subjectives, [...] les autres preuves viennent corroborer cette impression [...]" [35] (LC, p. 296).

Mais difíceis ainda de aceitar são as conclusões sobre os sonetos que se iniciam em FS - os mais contestados -, pois que os confrontos com o Índice d'Os Lusíadas e o texto das Rimas nada provam, se, como Bismut reconhece, "[...] nombreuses sont les variantes qui constituent une sorte de camonisation du Sonnet - et, nous l'avons dit, c'est par là que Faria e Sousa trahit son intervention." [36]   (LC, p. 335).  Ora, se raramente temos mais de uma versão do soneto que Faria acrescentou, como julgá-lo autêntico porque "nada no ritmo ou no vocabulário utilizado nos parece estranho a Camões"?  (LC, p. 332).  Não seria razoável chegar à conclusão oposta, de que o soneto seria tanto mais autêntico, quanto menos camoniano, isto é, menos camonizado por Faria? [37]

2.3.  O terceiro critério que se nos impôs estudar foi o de Emmanuel Pereira Filho, um camonista que nos honra, a nós, brasileiros, pela seriedade de seus estudos que o teriam levado muito mais longe se uma morte apressada não o tivesse arrebatado em plena maturidade.  Focalizando lucidamente o problema, propõe três pontos básicos para o critério de seleção de um conjunto de textos que "constituirá um Índice Básico de Autoria, mas não um 'Índice Canônico', pois representa apenas o término de uma fase preliminar dos trabalhos, que terão de prosseguir com a fixação dos textos." (RC, p. 272).  Os três pontos básicos são:

1) Testemunho quinhentista;

2) Testemunho tríplice;

3) Testemunho incontestado;

e o autor acrescenta que "tal índice é de natureza estritamente positiva, isto é, ele se limita unicamente a fixar um certo número de atribuições autorais, que, nos limites dos recursos de que dispomos, se apresentam como inequívocas [...].  O fato de um texto qualquer ser excluído não importa nem de longe em lhe ser negada a autoria camoniana;  significa apenas que ele não preencheu aqueles requisitos de evidência documental indiscutível e que portanto só deverá ser apreciado a posteriori, quando já pudermos dispor dos elementos fornecidos pelo cânone básico."  (RC, p. 272-273).

Os testemunhos quinhentistas de que principalmente se utiliza são:  Rh, Ri, MA, PPR.  A respeito deste último, comenta:  "O fato, porém, de não ter sido publicado faz completamente duvidoso aquele endosso da confirmação tácita do autor, que é lícito admitir para os que foram impressos;  e essa dúvida se agrava em definitivo com as sabidas contradições que ele encerra."  (RC, p. 273).

De MA, diz:  "não obstante ser um antepassado textual da edição de 1598, é todavia completamente autônomo [...]"  (RC, p. 276).

Um pouco atrás, Emmanuel Pereira Filho dissera, com clarividência e modéstia:  "[...] toda a pesquisa tem necessariamente de seguir, recolhendo humildemente a lição dos próprios erros, para com ela assegurar avanços futuros."  (RC, p. 273).  Assim, com o desejo de contribuir para o debate que o nosso amigo, ex-aluno e colega desejava para prosseguir, apresentamos duas objeções à validade do tríplice testemunho quinhentista, quando um dos três for PPR ou MA.  Este, porque, sendo-lhe filiada Ri (RC, p. 239), não poderia ser considerado como um texto diferente, mas o seu texto de base;  aquele, não só pelas contradições que traz - como bem notou E. Pereira Filho -, mas por só termos dele um Índice feito no século XVII, através do qual apenas conhecemos os incipit dos sonetos e bem se sabe:

1) que o mesmo soneto aparece com incipit diferentes - é o caso de "Tempo é já que minha confiança", que assim vem em Rh e Ri, e com a forma "Rezão é já que minha confiança", em CrB, LF, MA e PPR;

2) que dois sonetos diversos podem ter o mesmo incipit, como sucede com "Contentamentos meus que já passastes", que vem em FT, fo. 16, em nome de Camões, e no fo. 5, atribuído a Francisco de Andrade, que glosa o soneto camoniano, começando e terminando o seu pelos vv. 1 e 2 do outro.

2.4.  Outro estudo que merece uma menção é a tese de doutoramento de Elisabeth Naïque-Dessai, intitulada "Os Sonetos de Luís de Camões (1969).  Investigações relativas ao problema da autenticidade".  Suas investigações se fundam em "critérios intrínsecos" que aplica em vinte e nove sonetos "cuja autenticidade é duvidosa por razões externas" e que vai buscar "à edição de Hernâni Cidade" [38] , julgando a de Costa Pimpão imprópria para seus objetivos, uma vez que não contém os sonetos duvidosos.  A autora insiste em dizer que não se pode, por um só desvio, julgar inautêntico um soneto.  "Só quando se reúnem vários indícios é que se justifica a exclusão de um soneto.  [...] eu marquei os sonetos estudados com pontos:  mais ou menos (valorização positiva de + ¼ até 'autêntico';  valoração negativa:  de - ¼ até 'inautêntico.')" (END, p. 58).  Tomando como base de seu trabalho "os sonetos das três primeiras edições (1595, 1598, 1616) cuja autenticidade é provável", ela compara "29 sonetos duvidosos com 29 sonetos autênticos" e estabelece a proporção entre "vocabulário e número total de palavras", nada provando  "contra a autenticidade dos sonetos-FS".

Passa, então, a fazer um levantamento das "palavras preferidas" (verbos, adjetivos e substantivos), feito, desta vez, em dois corpora diversos - um, de 124 sonetos autênticos, e outro, de 29 sonetos-FS - com a finalidade de buscar "esclarecimentos sobre a problemática do poeta".  As conclusões a que chega são prudentemente formuladas:  "as divergências não [devem ser] supervalorizadas", mas "não são insignificantes".  Das divergências encontradas - é freqüente nos sonetos autênticos a presença de "palavras que se relacionam com a transitoriedade" e quase inexistente nos de FS, e "o tom básico é menos pessimista" nestes do que naqueles - ela tira conclusões parciais e provisórias, que serão corroboradas ou infirmadas por outras pesquisas, como a das combinações rímicas.

Elisabeth Naïque-Dessai levanta os esquemas rímicos dos tercetos e dos quartetos dos 124 sonetos autênticos; em seguida passa ao estudo das rimas utilizadas, ordenando-as conforme sua freqüência, ao levantamento das palavras que formam a rima e às combinações rímicas, e conclui que "há certas regras válidas para todos os sonetos autênticos e que justamente os sonetos duvidosos fazem exceção." (END, p. 80).  Sem pretendermos invalidar as pesquisas feitas tão seriamente pela jovem estudiosa de Camões, fazemos-lhe algumas observações que nos parecem bastante razoáveis, além da que já se fez na nota 33:  Naïque-Dessai considera duvidoso o soneto 150 de HC, "Ua admirável erva se conhece"(nosso 211), com base no esquema rímico inusitado (cde dec), que Jorge de Sena (por ela citado) diz só se encontrar em Ri 95 "Aquela que de pura castidade".  Na verdade, o esquema também aparece em ???AC* 10 [39] , (nosso 148), e AC é considerado em geral como mais digno de fé que Faria.  Quanto ao soneto HC 176 (nosso 148), ela também o julga duvidoso por ter nos quartetos um esquema rímico nunca usado por Camões:  abab baba.  Acontece, porém, que o soneto é resposta a outro "pelos mesmos consoantes", de D. Simão da Veiga:  o esquema é deste, pois, e não de Camões.

Num segundo capítulo, a autora estuda, em primeiro lugar, o esquema da construção dos sonetos, concluindo por achar duvidosos HC 198, "Ondas que por el mundo caminando" (nosso 335) e HC 118, "Coitado! que em um tempo choro e rio" (nosso 128);  em segundo lugar, a atitude do amante nos sonetos HC 147 "Crescei, desejo meu, pois que a Ventura",  e 148 "Nunca em amor danou o atrevimento" (nossos 212 e 215), cuja inautenticidade lhe parece certa porque a dúvida sobre eles se baseia "na procedência", "na forma e na expressão" (END, p. 107).

A 2a parte do estudo, "Coincidências entre sonetos duvido sos e autênticos" é dividida em dois capítulos:  no primeiro, "A auto-imitação do lírico", a autora, como já fizera Afrânio Peixoto [40] confrontando a épica e a lírica, busca apenas, dentro desta, as auto-imitações [41] , isto é, as coincidências parciais ou totais entre versos do Poeta.  Para tal, levanta o que chama de "locuções", em número de vinte e oito, considerando-as "uma modesta complementação ao catálogo de Afrânio Peixoto".  No segundo e último capítulo, enfim, "Possibilidades e interpretação das concordâncias para a classificação dos sonetos duvidosos", é muito judiciosamente apresentado o perigo de se considerar auto-imitação o que pode ser resultado de se prenderem vários poetas a uma mesma tradição literária, ou de se ter um outro poeta inspirado no próprio Camões.  Daí, a necessidade de se proceder com muita cautela e a decisão da autora de estabelecer a gradação, atrás mencionada, entre o autêntico e o inautêntico, somando os pontos, meios pontos e quartos de ponto, positivos ou negativos, que atribui aos "sonetos duvidosos", focalizando-os dos vários ângulos já expostos.  Desta tese séria e cautelosa, parece-nos que o ponto mais vulnerável é a pouca amplitude do corpus dos "sonetos duvidosos", e o número mais de quatro vezes maior de "sonetos autênticos" com que são postos em confronto.

 

Seria injusto, e mesmo imperdoável, deixar de lado Carolina Michaëlis de Vasconcellos - a primeira voz a erguer-se contra a enxurrada de sonetos incluídos por Juromenha e Teófilo Braga -, quando se faz um levantamento dos principais estudos para a fixação de um cânone camoniano.  Não nos deteremos, contudo, na apreciação de seus trabalhos - numerosos e importantes - porque não há neles o estabelecimento prévio de um ou mais critérios para aceitar ou repelir um poema.  A sua investigação varia segundo os textos abordados, é a posteriori, pois, e se funda sobretudo nos dados externos.  Em notas aos sonetos, citamos freqüentemente as observações da grande filóloga. [42]

3.   Cancioneiros quinhentistas e seiscentistas

Passamos a resenhar os manuscritos de que pudemos dispor, fazendo a avaliação de sua importância para atribuição dos textos a Camões e tecendo comentários sobre as edições que deles se fizeram.  Para ordená-los, levamos em conta:

1) os séculos em que se escreveram;

2) em cada século, demos precedência aos que têm uma data explícita ou implícita (chamamos data implícita à de MA, que é forçosamente anterior a 1598).  Embora seja um cancioneiro do século XVI, colocamos PPR no fim, mesmo depois de FT, pois o que dele conhecemos é um Índice do último quartel do século XVII (cf. Vitor Manuel de Aguiar e Silva, NCLC, p. 102).

3.1.  Cancioneiro de Cristóvão Borges

Este cancioneiro, que conhecemos através da excelente edição do Prof. Arthur Lee-Francis Askins [43] , consistia de 108 fólios agrupados em 7 cadernos.  Faltam hoje, contudo, os dois primeiros fólios do primeiro caderno, estando, pois, o códice reduzido a 106 fólios.  A mão do compilador original não lhe acrescentou assinaturas, chamadas ou numeração de folhas ou páginas;  mais tarde, mão do século XIX escreveu a tinta os números dos fólios, de 1 a 93, mas a partir do fo. 6 - já que os dois primeiros faltavam e os três seguintes (3o a 5o) estavam parcialmente preenchidos com informações incompletas sobre compilação, propriedade e deslocamento do manuscrito entre 1578 e 1611 -;  a numeração de 94 a 97 foi feita a lápis por Don Antonio Rodríguez-Moñino, que comprou o manuscrito, em 1950, de um particular, no sul da Espanha [44] .

Entre as informações dos primitivos fos. 3-5 (agora numerados a tinta como i r. a ii vo) está  a de ser o mais antigo proprietário identificável do manuscrito um Cristóvão Borges Peguas de Meireles e a de ter sido o livro concluído em Lisboa, nos Paços de Enxabregas, a 24 de dezembro de 1578.  Sendo bastante comuns o nome e o sobrenome deste primeiro possuidor do códice, ele se pode identificar com mais de um homônimo, como um parente do ativo impressor Marcos Borges ou, como sugere Jorge de Sena, com Cristóvão Borges Corte Real, segundo marido da filha de Jorge Cabral, 15o Governador da Índia.  Para Askins, porém, este primeiro possuidor era o mesmo Cristóvão Borges que foi juiz sob quatro reis e que, natural de Trás-os-Montes, iniciou sua carreira jurídica no Norte, durante o reinado de D. João III.

Na mesma página (i r.) mão anônima acrescenta, no começo do século XVII:  "Este livro he do señor Amtonio Alvarez Cano mi señor" [45] .  Ainda nesta página, em letra do fim do século XVIII ou começo do XIX, lê-se:  "Miguel de Luis.  Al qual usa de seu serviço."  Temos, pois, três possuidores explícitos para o códice que, segundo Askins, foi compilado pelos últimos anos da década de 1560.  Acrescenta o ilustre editor mais um provável possuidor, Bartolomé José Gallardo, mencionando (sem nomeá-lo) o proprietário da biblioteca particular onde o adquiriu D. Antonio Rodríguez-Moñino.

Na página iii r., o compilador escreveu [46] :  "Ao Lector.  / Neste livro acharas piadoso lector obras dignas de seus autores, cujos raros engenhos ellas estão mostrando, e quã grande seja a fama dos taes elles per suas obras." Aí, como sublinha Askins, são apresentados os critérios que deverão reger a seleção de textos do cancioneiro, critérios que, se não são seguidos à risca, servem contudo de roteiro à coletânea.  Para o autor da edição, o cancioneiro se compõe de três coleções:  a primeira, que agrupa os textos 1-99, reflete uma adesão inicial aos preceitos colocados no Prólogo e ao arranjo preestabelecido dos materiais conforme a forma poética.  Um segundo grupo (100-90) depende em parte, em seu conteúdo, do conhecimento dos textos do primeiro grupo.  A organização segundo o verso ainda é aparente, mas outros interesses se tornaram mais importantes na seleção dos textos, à custa das normas seletivas.  O terceiro grupo (191-6) diverge ainda mais da orientação original e focaliza textos de interesse temático específico [47] .  Acrescenta Askins que a compilação deve ter sido feita em diversos anos, revelando o trabalho de um homem que, mesmo com a passagem do tempo, tinha plena consciência do que estava fazendo.

Um importante ponto sobre o qual o editor insiste é o da estreita relação entre o manuscrito de Cristóvão Borges e o de Luís Franco;  na verdade, a ordem dos textos é freqüentemente a mesma nos dois códices, o que faz supor um texto comum que teria servido de fonte a ambos.  Em escala muito pequena - no máximo seis sonetos - nota-se coincidência entre PPR e CrB, o que aumentaria um pouco a credibilidade no Índice do Padre Pedro Ribeiro.

Quanto à distribuição dos poemas de Camões (ou a ele atribuídos) no cancioneiro, ela se faz em dois grandes grupos:  o primeiro, com mais de 40 peças, das quais 30 são sonetos (nos 2-56, com intromissão de textos de outros autores) e o segundo, com 42 sonetos (100-41).  Dos sonetos, um é encimado por Cam.  (o no 2), outro, por Camo.  (o no 100) e 4 por C.  (os nos 26, 27, 31 e 35).  Para comprovar a autenticidade dos outros, o único elemento fornecido por CrB é a posição, como em LF.

A edição de A. L. Askins é primorosa, a mais rica de quantas fez;  não está isenta, todavia, de alguns lapsos na transcrição das variantes e de numerosas gralhas tipográficas, defeitos de que muito dificilmente se escapa.

 

3.2.  Cancioneiro de Luís Franco Correa

É um volumoso códice manuscrito de 297 fólios, redigido de 1557 - na Índia - a 1589 - em Lisboa -, por "Luís Franco Correa companheiro em o Estado da Índia e muito amigo de Luis de Camoens", segundo informa a portada.  Como a maioria das coletâneas feitas em Portugal, tem composições de vários autores e de vários gêneros, em português e castelhano.

A presença de Camões em LF é dominante:  há nele três grandes núcleos camonianos, talvez quatro, abrangendo o primeiro os primeiros cinqüenta fólios (ou mais);  além de poesia lírica, aí se encontra a comédia Filodemo e o Canto I d'Os Lusíadas.

Até 1972, data em que a Comissão Executiva das Comemorações do IV Centenário da publicação d'Os Lusíadas o editou em fac-símile, ao Cancioneiro de Luís Franco só tinham acesso uns poucos freqüentadores dos reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa.  O manuseio do texto tornou possível, em 1978, a elaboração de um minucioso estudo de Dinah Moraes Nunes Rodrigues, do qual tiramos as informações aqui veiculadas [48] .  O nosso interesse específico - a atribuição de autoria a Camões - é frustrado, pois que, dos textos camonianos (?) incluídos em LF (mais de 160), apenas 16 têm atribuição (direta ou indireta) do copista e nenhum deles é soneto.  São as letras da margem, feitas em época muito posterior (de 1779 [49] a 1840 [50] ), que, numerando os poemas segundo a edição TJA, os atribuem a vários poetas por meio de iniciais, abreviaturas ou mesmo do nome inteiro [51] .  Camões é aí indicado por C, Cam e Camoens.  Além destas indicações, uma outra se pode deduzir da situação dos poemas no conjunto:  há zonas maciçamente camonianas, outras que o são menos e outras ainda em que a ausência do Poeta é total.

3.3.  Manuscrito 2209 da Torre do Tombo

Este manuscrito, do qual tomamos conhecimento através da edição de A. L. Askins, está na coleção de Manuscritos da Livraria do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.  É um volume in quarto, encadernado em pergaminho, tendo na lombada o título Miscela, e foliado, com erros, até ao fólio 176.

Do seu conteúdo, o que nos interessa sobremaneira são as obras camonianas (ou a Camões atribuídas) que figuram nos fos. 20 r e v, 124 v, 136 v, 147 r, 149 r, e maciçamente do fo. 150 v ao 163 r [52] , formando um denso núcleo camoniano no qual 17 peças, das 29, são atribuídas ao Poeta pelo copista, o que constitui uma fonte de informações preciosa, das mais copiosas do século XVI.  O outro núcleo bastante expressivo é o de poemas de Diogo Bernardes.

3.4.  Cancioneiro de Évora CXIV/1-17

Este cancioneiro é um códice do fim do século XVI e começo do XVII, de que não conseguimos obter o microfilme e que só conhecemos mediante suas três edições:  a de Victor Eugène Hardung, de 1875;  a de José Pedro Machado, de 1951, e a de Arthur Lee-Francis Askins, de 1965.  Na Introdução a esta última, seu autor informa que a existência do manuscrito foi anunciada pela primeira vez em 1869, em artigo do diretor da Biblioteca Pública de Évora, Augusto Filipe Simões.

A edição de Hardung só apresenta 77 composições das 134 contidas no Cancioneiro e só estas ficaram conhecidas até à edição de José Pedro Machado (Cancioneiro de Évora).  Não dispondo, como ficou dito, do original, transcrevemos as palavras de Askins a seu respeito:  "A edição foi feita com certa diligência.  Limita-se, contudo, a uma breve descrição do manuscrito e a uma transcrição do texto, supostamente, mas de nenhum modo fielmente ou cuidadosamente, 'com a ortografia e a falta de pontuação do original'". (Év., p. 4). 

A edição de Askins - "edição crítica e notas" - (1965) dá uma transcrição completa dos textos e anota-os amplamente.

O Cancioneiro de Évora divide-se em duas partes:  a primeira, mais longa, abrange 52 fólios (fo. 1-52);  os poemas nele contidos são alguns anônimos, outros atribuídos a vários poetas (nenhum a Camões);  a segunda parte se constitui de 25 poemas de Diogo Hurtado de Mendoza  (fo. 52 v-66 v).  Na primeira parte encontram-se três sonetos de Camões:  "Quando da bela vista o doce riso" (fo. 37 v), cujo primeiro quarteto já vinha no fo. 9 v; "Tomou-me vossa vista soberana" (fo. 38 v-39) e "D'amor escrevo, d'amor trato e vivo" (fo. 39 v);  os dois primeiros são atribuídos a Camões desde Rh, o terceiro vem em AC e FS;  aí está também a versão castelhana do soneto que vem pela primeira vez em DF2 ("Se grão glória me veio de olhar-te"):  "Si gran gloria me vino de mirarte" (fo 30 v) e, no fo. 40, "Canse já a dureza de vossa mão" que foi considerado, por Chorão de Carvalho, tradução de "Oh, cese ya, Señor, tu dura mano!", o que nos parece injustificável, tais são as diferenças entre os dois.  Assim sendo, no Cancioneiro de Évora só há três sonetos, em português, atribuídos a Camões e uma versão espanhola de outro que, em português, vem em DF2;  nenhum deles, porém, tem indicação de autoria.

3.5.  Cancioneiro Apenso à edição de 1595

Deste cancioneiro utilizamos a edição de Emmanuel Pereira Filho [53] , que tem a virtude de trazer o fac-símile dos textos.

Referido em lacônicas notas de rodapé por Teófilo Braga, no século XIX, citado por Costa Pimpão e Antônio Salgado Jr., neste século, o cancioneiro não era "um documento inteiramente desconhecido.  Muito esquecido, isso sim." (RC, p. 215).  Emmanuel Pereira Filho é o primeiro a dar-lhe a devida importância, começando por descrevê-lo como um "códice cartáceo, sem fólio de rosto, nem título, nem nome do autor"; encontra-se encadernado como apenso ao exemplar das Rhythmas (1595), que pertenceu à livraria do Cons. Tomas Norton e hoje se guarda na Secção de Reservados, da Biblioteca Nacional de Lisboa, sob a cota CAM-10-P."  "Consta de 43 fólios não numerados" escritos "a tinta, por uma só mão, em regular cursiva de fins do século XVI."

No último fólio, abaixo do final do texto, o copista escreveu as letras I.S.M., que o editor supunha serem as iniciais do nome do mesmo, mas que já se disse serem possivelmente as de Iesus Salvator Mundi. 

O códice contém 68 poemas (um deles em dupla versão - é o último de uma série de 43) e um fragmento.  Aos sonetos seguem-se os tercetos e o soneto a D. Leonis, 4 odes e 19 redondilhas.  Estes textos são os que Ri tem a mais que Rh, mudada apenas a ordem.

Os poemas são anônimos, mas o fato de virem todos em Ri "já constituiria uma valiosa pista, senão mesmo uma apreciável indicação de qual fosse a autoria que o compilador [lhes] atribuiu."  (RC, p. 218).  Pelo fato de serem estes textos, com exceção de 5, impressos pela primeira vez em Ri, Emmanuel Pereira Filho atribui ao códice a "relevante condição de apógrafo manuscrito da primeira edição de uma coleção de 64 textos atribuídos a Camões, ainda no século XVI." (ib.).

 

3.6.  Cancioneiro do Escorial iij. Ç. 22

Juntamente com o Cancioneiro de Madrid, editou Maria Isabel Cruz o Cancioneiro do Escorial, seguindo os mesmos critérios, isto é, transcrevendo integralmente as composições que diz "de Camões" e as "de autoria alguma vez atribuída a Camões", e dando apenas os dois primeiros versos das outras nele contidas.

Informa a editora que "a primeira notícia da existência deste cancioneiro apareceu no Catálogo de los Manuscritos Castellanos de la Real Biblioteca de El Escorial, de autoria de Frei Julián Zarco Cuevas, impresso em 1924." Em Portugal, referiu-se-lhe o Prof. Rodrigues Lapa, em 1932, no Boletim de Filologia, e, mais extensamente, o Prof. J. G. Herculano de Carvalho, em 1949 (V. Bibliografia).

Na folha de rosto do códice [54] , lê-se o título:  "Liuro de / sonetos.  E / octauas, de di / verços au / ctores.  / De 1598." Compõe-se de 69 poemas portugueses e castelhanos dos quais 19 são de Camões ou a ele atribuídos alguma vez.  No cancioneiro, porém, são todos anônimos [55] , o que o torna bem menos valioso que o de Madri.

Maria Isabel Cruz coloca como "de Camões" 10 sonetos:  "Pera que quereis, Senhora, que ofereça", "Males que contra mim vos conjurastes", "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", "Que levas, crua Morte?  M. O claro dia", "Ah, Fortuna cruel!  Ah, duros fados", "Busque Amor novas armas, novo engenho", "Lindo e sotil trançado que ficaste", "Todo animal da calma repousava", "Sete anos de pastor Jacob servia" e "Alma minha gentil que te partiste";  como alguma vez atribuídos ao Poeta:  "Esses cabelos louros escolhidos", "Mil vezes entre sueños tu figura", "D'amor escrevo, d'amor trato e vivo", "Cuytado que en un punto lloro y río", "Pera se namorar do que formou", "Eu me parto [56] de vós, campos do Tejo", "Um firme coração, posto em ventura" e "A presunção, a graça, o suave jeito".

Como observa a editora, o "cuidado caligráfico" com que é copiado o manuscrito "não era vulgar na época".  No que toca à transcrição, porém, o copista se mostra bastante descuidado, como se pode facilmente verificar no confronto com outras versões dos mesmos poemas.

3.7.  Cancioneiro de Madrid 12-26-8/D 199

Deste Cancioneiro diz Maria Isabel Ferreira da Cruz, que o edita em 1971, que quem revelou a sua existência foi Justo Garcia Soriano em artigo de 1925 publicado no Boletin de la Real Academia de la Historia, de Madrid, no qual chamava à coletânea "Una antologia hispano-lusitana del siglo XVI".  Descrevendo o códice, informa que lhe "foram cortadas as três primeiras folhas de abertura e outras em mais de um lugar, como adiante referimos.  É hoje formado por 254 folhas, numeradas a partir de 4."  Adiante, acrescenta:  "As folhas que foram arrancadas ao manuscrito, como vai assinalado nos respectivos lugares, privaram-nos, para além dos elementos de identificação que poderiam estar contidos nas três primeiras, do conhecimento das poesias copiadas nas seguintes:  8, sem visível sinal de ter sido arrancada" e ainda de 23 a 28, 67 a 70, 174 a 178 e 197 a 199.

Não foi isso que constatamos na consulta ao microfilme do códice [57] ;  as folhas iniciais arrancadas são quatro:  o primeiro algarismo colocado ao alto e à direita do primeiro fólio existente é o 5, no qual está copiado o soneto de Bernardes "Montes, valles, bosques, verdes prados" (que Maria Isabel Cruz diz estar no fólio 4;  cf. PUEL, p. 142) [58] ;  os fólios seguintes estão nitidamente numerados com os algarismos 6, 7, 8 etc.  Não há, pois, ausência do fo. 8, como diz a autora.  Talvez se possa atribuir o seu engano à utilização do Índice [59] que vem ao fim, do fo. 242 v ao fo. 252, onde, para os sonetos dos fos. 5, 6, 7 e 8, é indicado o mesmo fólio que ela lhes apõe.

Arrancados, pois, os 4 primeiros fólios e mais os 18 já apontados, o cancioneiro é hoje formado, não por 254, mas por 232 fólios.

Das 130 composições de M, 26 sonetos [60] são atribuídos a Camões pelos copistas, o que torna a coletânea muito valiosa para o problema da autoria.  São eles:  "Está-se a primavera tresladando", "Quem pode livre ser, gentil Senhora", "Se algua hora em vós a piedade", "Alma minha gentil que te partiste", "Por que quereis, Senhora, que ofereça", "Quando da bela vista e doce riso", "Grão tempo há que soube da ventura", "Se tanta pena tenho merecida", "Sete anos de pastor Jacó servia", "Que me quereis perpétuas saüdades?", "Os reinos e os impérios poderosos", "Dece dos altos Ceos Jesu benigno", "Porque a tamanhas penas se oferece", "Nos rios de Babilónia assentado", "Em flor vos arrancou de então crecida", "Todo animal da calma repousava", "Vencido está d'amor meu pensamento", "Conversação doméstica afeiçoa", "Dai-me ua lei, Senhora, de querer-vos", "O cisne quando sente ser chegada", "Lembranças saüdosas, se cuidais", "Pelos extremos raros que mostrou", "Oh, como se me alonga de ano em ano",  "Apolo e as nove musas discantando", "Muda-se o tempo, mudam-se as vontades", "Para se namorar do que formou".  Há ainda 3 sonetos que foram atribuídos a Camões em AC e FS:  2 que neste cancioneiro vêm anônimos - "Los ojos que con blando movimiento" e "Se como em tudo o mais fostes perfeita" - e um atribuído ao Infante D. Luís - "Imagens novas me imprime a fantasia".

Confrontando a transcrição de Maria Isabel Cruz com o microfilme, verificamos numerosos lapsos, afetando alguns deles o sentido.  Em nossas variantes de M corrigimo-los pelo manuscrito [61] .  De tais deslizes não se livram totalmente os editores de obras deste tipo [62] e o que ocorre nesta não desvaloriza o meritório trabalho de uma jovem estudiosa que tornou accesível tão importante coletânea de textos atribuídos a Camões por mão contemporânea dele.

3.8.  Cancioneiro de Maria Henriques

Este manuscrito quinhentista mereceu, em 1956, uma edição com extensíssima introdução e fartas notas que "têm em vista esclarecer, histórica, filológica e literariamente, o original." (MH, p. XXI).  Não dispondo do manuscrito em microfilme ou xerox, louvamo-nos nas informações do editor que nos diz que o códice é um "in-fólio cartáceo [...] em letra humanística do século XVI" (MH, p. CXIII), no qual se contêm 57 composições em português, 33 em espanhol, uma em latim, e 7 autos religiosos.  Encontrou-o Domingos M. Gomes dos Santos na posse dos herdeiros da Condessa de Tarouca, cujo arquivo era a antiga biblioteca dos Marqueses de Alegrete e Penalva.  No Catálogo dos Manuscritos da Antiga Livraria dos Marqueses de Alegrete, dos Condes de Tarouca e dos Marqueses de Penalva, o códice é averbado por José de Arriaga com a inscrição:  Cancioneiro de D. Maria Henriques, designado que vem da referência "presumivelmente autógrafa da primeira possuidora ou herdeira:  Este livro he de dona Maria Enriques que fes seu pay em Marocos."  (MH, p. CXIV-CXV).  Considera o editor que o códice "é integrado por composições devidas à pena de um só autor, que as fez copiar em bela letra caligráfica, para seu próprio uso e gozo espiritual, bem como de seus familiares e amigos, pelo fiel secretário Luís Fernando Duarte." (MH, p. CXIX). Por esse motivo, acha que o cancioneiro deveria, mais justamente, chamar-se Cancioneiro de D. Francisco da Costa.

Enviado a Marrocos, pelo Cardeal-Rei D. Henrique, como embaixador, D. Francisco da Costa para lá embarcou em 1579, aí ficando até morrer, por ter prestado fiança ao Xerife pelos fidalgos que foram repatriados para Portugal e que nunca saldaram seus débitos.

Os poemas que lá escreveu, muitos dedicados à mulher e à filha, outros referentes a passos de sua vida no exílio, dão fé da sua autoria para o conjunto de poemas, dentre os quais cinco foram por Faria e Sousa atribuídos a Camões.  São:  "Porque a Terra no Ceo agasalhasse" (fo. 85), "Que estila o sacro Lenho?  Um licor santo" (fo. 85), que em FS está modificado para:  "Qu'estila a Árvore sacra?", "Aponta a bela Aurora, luz primeira" (fo. 97);  "Aos homens pôs um homem grande espanto" (fo. 101), que em FS está "Aos homens um só homem pôs espanto" e "Como louvarei, xeráfico santo" (fo. 120 v), que é em Faria:  "Como louvarei eu, Serafim santo".  No Cancioneiro de Maria Henriques, estes dois últimos sonetos vêm encabeçados por "S.I.B." e "A S. Francisco", respectivamente.  Faria, referindo-se-lhes, não se refere a tal, dizendo sobre o primeiro:  "Lido o soneto, vê-se que foi escrito a São João Batista" e sobre o segundo:  "Claro está que este soneto se escreveu a São Francisco", o que faz supor que se serviu de outro manuscrito.  Estes sonetos têm, em FS, os números III-40, 41, 42, 44 e 46;  os números III-43 e 45, não os encontramos em outro manuscrito ou edição;  são também sonetos devotos, à Cruz e a São João Evangelista.

3.9.  Manuscrito de Oxford (All Souls College no 189)

Além das informações fornecidas por Karl Vollmöller [63] , pudemos obter o microfilme deste manuscrito.  É um códice extenso, de 380 fólios, mas no qual só se encontra um soneto atribuído a Camões,  "Coitado que em algum tempo choro e rio" (nosso 128), em versão castelhana.

3.10.  Cancioneiro de Évora CXIV/2-2

O códice CXIV/2-2 [64] da Biblioteca Pública de Évora, é muito mais extenso (235 fólios, contendo 318 composições poéticas e cinco textos em prosa) que o CXIV/1-17, com o qual foi por vezes confundido [65] , e nele predominam textos de Sá de Miranda.  Informa Askins [66] que a primeira referência moderna ao códice é de 1868;  em 1874, Teófilo Braga fez dele uma descrição na sua Historia de Camões;  em 1902, Antonio Francisco Barata, que desde 1872 lidava com o manuscrito, publicou em Évora o que intitulou Cancioneiro Geral, continuação ao de Garcia de Resende, nele incluindo 131 textos, dos quais 29 são de outros códices que ele não identifica.

Na "Prefação do Compilador" [67] , escudando-se em opinião que julga abalizada, diz que alterou a grafia e retocou "versos manifestamente errados do copista." Askins critica-o por isso e por não dar a procedência dos textos, nem a indicação de fólios.

De 1905 até 1949, muitas referências se fizeram ao códice que só foi integralmente conhecido na edição de Askins (1968) que transcreve diplomaticamente os textos, precedidos de "Observações preliminares" e apresentação do manuscrito, e seguidos de notas crítico-bibliográficas.  Já tendo publicado, em 1965, The Cancioneiro de Évora, buscou um nome diferente para este segundo cancioneiro da mesma procedência, qualificando-o pelo que achou que o caracterizava:  ter "uma tônica marcadamente aristocrática que regeu a seleção dos textos e autores";  daí chamar-lhe Cancioneiro de Corte e de Magnates (CM).

Das mais de trezentas composições nele contidas, onze sonetos - seis em português e cinco em espanhol - são dos que andam atribuídos a Camões:  3 desde Rh;  1 desde Ri; 4 desde AC, 2a série;  1 de AC, 3a série, comum a FS;  1 de FS e 1 de Jur.  Em CM, nenhum deles é dado como de Camões:  dos de Rh, dois ("Por que quereis, Senhora, que padeça" e "Quem vê, Senhora, claro e manifesto") são atribuídos ao duque de Aveiro e 1 ("Se em algua hora em vós a piedade") é anônimo [68] ; o de Ri ("A perfeição, a graça, o suave jeito") é atribuído a D. Manuel de Portugal; os de AC, 2a. série ("A fremosura desta fresca serra", "Los ojos que com blando movimiento", "No bastava que amor puro y ardiente" e "Sospechas que en mi triste fantesía") são todos dados a D. Manuel de Portugal; o de AC/FS ("Junto a una selva, al dispuntar del día"), a Fernan d'Acuña;  o de FS ("Ayúdame, Señora, a hacer venganza"), a D. Manuel de Portugal, e o que só aparece em Jur. [69] , em português ("O tempo está vingado à custa minha"), aqui está em versão espanhola:  "El tiempo está vengado a custa mia".

Do Índice alfabético de autores, Askins bane o duque de Aveiro, que só figura no Cancioneiro como autor dos dois sonetos já citados de Rh;  Camões nele permanece como autor de cinco composições, três das quais são os sonetos de Rh.

3.11.  Cancioneiro de Juromenha

Deste manuscrito não temos, infelizmente, mais que as breves referências de Juromenha e as mais extensas informações dadas por Carolina Michaëlis de Vasconcellos em seu artigo "Mitteilungen aus portugiesischen Handschriften" [70] .

Ao escrever seu artigo, em 1880, a eminente filóloga tem em mãos o códice que o Visconde pôs à sua disposição, depois de tê-lo utilizado na sua grande edição das Obras de Camões, onde, lamentavelmente, cometeu alguns erros, tais como não levar em conta ou interpretar erradamente algumas variantes dos poemas.  Além disso, aponta Carolina Michaëlis a insuficiência das informações dadas por Juromenha para identificar os vários manuscritos de que se utiliza.  A indicação "meu ms." é, o mais das vezes, usada para o que agora nos ocupa, mas nem sempre;  este é às vezes "um ms.", "um ms. que possuo", "outro ms.", o que pode "facilmente induzir em erro pesquisadores incautos, às vezes até os mais precavidos." (Mitt., p. 432).  No que diz respeito aos poemas de Camões contidos em seu manuscrito, sua atitude não é completamente correta:  "considera coisas que no original não estão com o nome do Poeta e que não se encontram em outro lugar;  deixa de considerar muitas peças que deveriam ter sido aproveitadas para comparação e o que leva em consideração, nem sempre é corretamente lido ou reproduzido com fidelidade."  (ib.).

O  Cancioneiro de Juromenha contém 169 peças, das quais 4 são repetidas.  Das 165 peças diferentes, "82 interessam ao camonista;  destas, 46 [10 das quais são sonetos] trazem o nome do poeta diretamente no título, como:  Oda do Camois, Volta de Luis de Camois, Mote de Camões, ou em abreviaturas como V[ilancete] do C., ou de maneira indireta como Outro do mesmo;  na maioria dos casos com razão;  às vezes sem razão."  (ib., p. 433).

Para Carolina Michaëlis o manuscrito pode provir tanto do fim do século XVI, como do começo do século XVII, pondo-lhe "a data de nascimento [...] entre 1590 e 1594, quando chegou ao auge da moda [de colecionar cancioneiros de mão] alimentada pela falta de edições impressas de poesia lírica." (ib, p. 437).  Juromenha data-o de cerca de 1600.

Apesar de considerar o texto mal cuidado, deturpado por muitos erros, por falta de palavras ou de linhas, Carolina Michaëlis considera-o de grande valor por oferecer "leituras que concordam com os textos melhores e mais antigos, isto é, as fontes usadas por Luís Franco e Soropita, e mesmo a estas retificam várias vezes facilmente."  (ib.).

Em outra parte [71] , Carolina Michaëlis alista e comenta as variantes (muito numerosas) do manuscrito de Juromenha à edição deste;  delas nos utilizamos nesta edição, embora ciente de que nelas não podemos depositar a mesma confiança que depositamos nas que buscamos diretamente aos manuscritos ou a edições críticas ou diplomáticas de cancioneiros.

3.12  The Hispano Portuguese Cancioneiro of the Hispanic Society of America

Este é o título dado por Arthur Lee-Francis Askins, em sua edição critica, ao cancioneiro do início do século XVII conhecido como "Cancioneiro hispano-português da Academia das Ciências de Lisboa".  Com aquele título o citamos, pois dele não conseguimos cópia e é à edição de Askins que nos remetemos.  Dele tirou Teófilo Braga 5 sonetos que incluiu em sua Antologia de 1876 (ele conhecia o códice desde 1872);  em 1891, em Camões e o Sentimento Nacional, o manuscrito é ainda mencionado, mas, neste mesmo ano, Francisco Marques de Sousa Viterbo denuncia o deu desaparecimento.  Em 1911, Teófilo Braga repete a notícia deste extravio, dele acusando um empregado da Biblioteca, já falecido.  Só cinqüenta e três anos mais tarde, Don Antonio Rodríguez-Moñino pôde traçar o caminho percorrido pelo livro que esteve momentaneamente em mãos do livreiro de Lisboa Augusto Ferin, passando à Espanha e finalmente à Hispanic Society of America, onde permanece (HPC, p. 17-18).  Braga diz que o encontrou "in fl. de papel almaço branco servindo de guardas a uma novela impressa em Lisboa, em 1586, em casa de Marcos Borges, com o título La Historia de Rosian de Castilla [...]. N'este appenso manuscripto acham-se muitos Sonetos como este a fol. 83, v.:  Que doudo pensamento é o que sigo, com variantes, outro de Camões glosado em Canção:  En una selva al parecer del dia a fl. 70, v. [...] as redondilhas e Cartas em verso de arte maior, são o que há de mais bello na poesia do seculo XVI, e só Camões as poderia ter escripto.  N'esta persuasão aproveitámos numerosas composições ineditas para a edição presente." (Par II, vol. I, p. XXX-XXXI).  É sob esta alegação, portanto, que Braga acrescenta ao acervo "camoniano" mais 25 sonetos, dos quais um, como ele mesmo diz, é variante de "Mi alma y tu beldad se desposaron" que vinha em FS III-18 (nosso 255) com incipit um pouco diferente:  "Mi gusto y tu beldad se desposaron".

Como no Cancioneiro de D. Cecília de Portugal, os sonetos vêm anônimos, com exceção de dois atribuídos a Valentim da Silva e Martim de Crastro [sic], atribuições transcritas por Teófilo Braga (!).

Dos 25 sonetos, 14 têm outra(s) fonte(s), nunca camoniana(s) e 11 só se conhecem deste manuscrito.

 

3.13.  Cancioneiro de D. Cecília de Portugal

Este Cancioneiro, de que temos cópia fotográfica, foi editado, em 1972, por António Cirurgião, que dele deu uma lição diplomática precedida de muito boa Introdução.

É o ms. 1835 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, escrito em pergaminho, em bonita letra, de leitura fácil.  Se não estivesse mutilado, deveria ter 60 fólios, mas faltam-lhe 14 (C, p. 6).

Neste códice foi Juromenha buscar 5 sonetos para engrossar o cabedal "camoniano".  Outros 5 ele aí encontrou, que já figuravam nas Rimas:  2, desde Rh (nossos 18 "Doces lembranças da passada glótia" e 39 "O fogo que na branda cera ardia");  2, desde Ri(nossos 69 "Ferido sem ter cura perecia" e 83 "- Que levas, cruel Morte? - Um claro dia.")  e um desde AC, 3a série "Não vás ao monte, Nise,  com teu gado" (nosso 201).  Deste último, o manuscrito tem uma versão espanhola, bastante livre.  Os 5 novos são "Senhora minha, se de pura inveja", "Fermosa mão que o coração m'aperta", "De tantas perfeições a natureza", Quem busca no amor contentamento" e "Aqueles claros olhos que chorando", como os outros, vêm anônimos no manuscrito, e não temos com o justificar a sua inclusão por Juromenha (cf. C, p. 19).

A edição de 1932 (RV) exclui 4 destes, conservando um ("Se a ninguém tratais com desamor"), sem dizer por quê;  a edição HC a acompanha [72] .

Em sua leitura, Cirurgião tem uns poucos lapsos:  fo. 19 v, v. 8:  servia, em lugar de se via;  v. 11:  quem, em lugar de que;  fo. 24, v. 6:  restituído, em lugar de restetuído; remido, em lugar de remédio;  fo. 25:  devera, em lugar de divera, três dos quais alteram o sentido do verso.

3.14.  The Cancioneiro "Manuel de Faria"

D. Bartolomé José Gallardo, fundador dos modernos estudos bibliográficos da Península Ibérica, não duvidava de que o compilador do Cancioneiro Recopilado por D. Manuel de Faria.  Dedicado al Conde de Haro.  En 1666., fosse Manuel de Faria e Sousa.  Em seu monumental Ensayo de una Biblioteca Española de Libros Raros y Curiosos, a análise do cancioneiro ocupa nove colunas que despertaram o interesse de Carolina Michaëlis de Vasconcellos que a ele se refere muitas vezes em suas "Investigações sobre sonetos e sonetistas portugueses e castelhanos".  A notável filóloga impugna a atribuição do manuscrito a Faria e Sousa, alegando que a data de 1666 é dezessete anos posterior à sua morte.  Edward Glaser, cuja edição crítica é a única fonte que temos do cancioneiro, com bons argumentos contesta Gallardo, achando que Manuel de Faria poderá ser um padre de Lisboa, muito dado às letras, poeta bilíngüe e membro das Academias dos Generosos e dos Singulares.  Jorge de Sena contesta-os, achando que só Faria e Sousa seria capaz de organizar um tal cancioneiro.

Neste manuscrito de 106 fólios e 143 poemas, apenas um é atribuído a Camões;  é o soneto 64, "Se misericordia e amor não vos atara", que até hoje não foi incluído em nenhuma edição camoniana;  outros quatro, atribuídos a outros poetas, são encontrados em AC (24'), FS (III-62), Jur. (347) e Par (378).

3.15.  Cancioneiro Fernandes Tomás

Até 1971, só tínhamos conhecimento do manuscrito intitulado:  Flores várias de diversos autores Lusitanos [73] , através do estudo de Carolina Michaëlis, de onde tiramos algumas das informações que aqui transcrevemos [74] .

Só nesse ano o Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia editou este códice, que ficou conhecido como Cancioneiro Fernandes Tomás, do nome do escritor e bibliófilo Aníbal Fernandes Tomás, que, em 1887, o adquiriu de um livreiro e alfarrabista de Amsterdam.

O códice (assim o descreve o próprio Fernandes Tomás) é "escrito em papel de Holanda, com boa caligrafia, em 174 fol., ou 348 pag.,  em fol. pequeno [...].  Não só pelo exame das poesias que contém, mas ainda pelo caráter da letra, e por outras razões que em ocasião oportuna desenvolverei, estou convencido de que a sua formação não vai além dos últimos anos do século XVII." (CFT, p. 3).

Em verso e prosa (algumas em ambos) são as 329 composições que constituem o cancioneiro, atribuídas a mais de quarenta autores, entre os quais Luís de Camões.  Sob a rubrica "De Luís de Camões" há 27 poemas:  21 sonetos, 2 elegias, 1 canção, 2 epigramas e 1 capítulo.  Dos 20 sonetos atribuídos a Luís de Camões, 2 tinham sido editados nos séculos XVI e XVII, 1 nas obras de Diogo Bernardes e outro nas de Estêvão Rodrigues de Castro (nossos 389 "Fermoso moço que nos Ceos descansas"
e 387 "Claros olhos azuis, olhos fermosos");  1 em Rh "Grão tempo há já que soube da Ventura" (nosso 46);  1 em AC, 3a série "De amor escrevo, de amor trato e vivo"(nosso 191);  2 em Jur. "Memória de meu bem cortado em flores" e "O dia em que eu naci moura e pereça" (nossos 331 e 333).  A partir da descoberta do Cancioneiro Fernandes Tomás, os outros sonetos foram sendo editados.

Além dos sonetos que o manuscrito dá a Camões, há outros 19 que nele vêm como de:  Fernão Rodrigues Lobo Soropita (4), Diogo Bernardes (4), Estêvão Roiz De Castro (4), D. Manuel de Portugal (2), Infante D. Luís (1), Duque de Aveiro (1), Martim de Castro (1) [75] , Baltazar Estaço (1) e Francisco Mendes (1), e estão todos incluídos em edições das Rimas de Camões:  Rh, Ri, AC, FS, Jur. e Par.

3.16.  Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro

Segundo Carolina Michaëlis de Vasconcellos, este cancioneiro de 1577, hoje desaparecido, "foi manuseado e aproveitado bibliograficamente por Barbosa Machado" (PPR, p. 4) entre 1744 e 1755, quando talvez tenha desaparecido, com a Biblioteca do Duque de Lafões, no terremoto de Lisboa.  Dele só se conhece o Índice inserido de fo. 187 v a fo. 194 de uma Miscelânea - grande volume in-quarto, adquirido pelo bibliófilo Martinho da Fonseca nos últimos anos do século XIX -; Carolina Michaëlis diz que "estão [estas folhas] encorporadas nela como parcela de uma Biblioteca Portuguesa para a qual um Anónimo ia preparando materiais na metade segunda do século XVII." (ib.).

Tendo o volume em mãos, a eminente filóloga analisou-o, escrevendo sobre o Índice, cujo título é "Authores do Cancioneiro manuscrito junto pelo Padre Pedro Ribeiro, e escrito em 1577", um minucioso estudo seguido de transcrição diplomática.  O Índice consta das listas de composições de Diogo Bernardes (152), Luís de Camões (91), D. Manuel de Portugal (6), Álvaro Rebelo (9), Jorge de Montemor (9), Pedro Ribeiro (10) e outros, com menor número de poemas.  Das 152 composições de Diogo Bernardes, 116 são sonetos;  das 91 de Camões, 64 são sonetos [76] .  Dos atribuídos a Camões, Carolina Michaëlis diz que doze são inéditos, incluindo nestes "Mostrando o tempo está variedades" (PPR:  C-25);  ora, este incipit é uma variante de "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (Rh 53, que vem estropiado em PPR:  DB-93 - "Mudam-se os tempos e as vontades" - e atribuído a Diogo Bernardes).  O soneto tem, na verdade, várias versões, como se pode ver nas notas e variantes que lhe apusemos nesta edição.  Este soneto, portanto, é mais um que tem, em PPR, dupla atribuição, ao lado de "Todo animal da calma repousava" (C-1 e DB-49), que é o Rh 8;  "Já a saudosa aurora destoucava" (C-2 e DB-50), que é o Ri 71, e "Quem vos levou de mi, saudoso estado" (C-52 e DB-53), que é o AC 25;  neste último, o incipit atribuído a Camões é algo diferente:  "Quem vos fez perder, saudoso estado".  Nenhum destes sonetos foi impresso nas obras de Diogo Bernardes, como não o foram os seguintes, todos constantes da lista deste poeta em PPR: "Mil vezes determino não vos ver" (DB-11), que é o AC 16'; "Pois não cansam meus olhos de chorar" (DB-22), que Carolina Michaëlis diz ser inédito, mas que deve ser, com toda probabilidade, o soneto Rh 65, cujo incipit só difere deste em vir o sujeito antes do verbo; "Quando de minhas mágoas a comprida" (DB-42), que é o Ri 72; "Correm turvas as águas deste rio" (DB-43), que é o DF2 10; "Com grandes esperanças já cantei" (DB-44), que é o Ri 3; "Depois que o fero Amor quis que  passasse" (DB-45), que pode ser o Ri 4: "Despois que quis Amor que eu só passasse"; "Aquela que de pura castidade" (DB-47), que é o Ri 95; "Fermosos olhos, em quem quis a ventura" (DB-48), que pode ser o AC 31: "Olhos fermosos em quis Natura"; "Cantando estava um dia bem seguro" (DB-51), que é o DF2 1; "A perfeição, a graça e o grave aspeito" (DB-52), que pode ser "A perfeição, a graça, o doce jeito" (Ri 90) que aparece com dois outros incipit semelhantes em CM, atribuído a Dom Manuel de Portugal, e em E, anônimo; "Contente vivi já, vendo-me isento" (DB-54), que é o FS III-48; "Quando se vir com água o fogo arder" (DB-55), que é o AC 21; "Doces lembranças minhas do passado" (DB-59), que pode ser o AC 43, "Lembranças que lembrais meu bem passado"; "Já não sinto, senhora, os [des]enganos" (DB-63), que é o AC  [c]; "Claras e doces águas do Mondego" (DB-64), que é o DF2 3 e 29, mas com incipit um pouco diferente; o mesmo incipit está em LF, fo. 120; "Bem sei, Amor, que é certo o que arreceo" (DB-82), que é o Ri 79; "Quem fosse acompanhando juntamente" (DB-83), que é o Ri 76; "Memórias ofendidas que um só dia" (DB-84), que é o Jur. 334; "A terra, o ceo e o vento assossegado" (DB-85), que deve ser o DF2 7: "O ceo, a terra, o vento sossegado"; "Julga-me a gente toda por perdido" (DB-88), que é o DF2 27; "No tempo que de amor viver soía" (DB-89), que é o Ri 7; "Alá, em Monterey, em bal de Lassa" (DB-103), que é o AC 30. São, pois, 23 sonetos atribuídos por PPR a Diogo Bernardes, não andando nenhum deles nas Obras completas do mesmo e sendo todos encontrados nas Rimas de Camões: 1, desde Rh; 8, desde Ri; 5, desde DF2; 7, desde AC (dos quais só um da terceira série, Álvares da Cunha teria possivelmente transcrito de Faria e Sousa), e apenas 1 de FS e 1 de Jur. Destes, 17 são incluídos nas edições do século XX, o que mostra que o testemunho de PPR não foi considerado concludente. Outra atribuição errônea é a do soneto DB-90 de PPR, que não se acha nas obras de Bernardes, mas está em manuscritos privativos de Sá de Miranda e é editado nas obras deste desde a edição princeps (1595); cf. PSM, son. XVIII. Não se pode esquecer que se trata, não de um cancioneiro, mas de um índice apógrafo, escrito um século mais tarde, do qual não pudemos ver o original ou uma cópia, mas apenas a edição de Carolina Michaëlis, na qual Vítor Manuel de Aguiar e Silva aponta vários enganos (NCLC, p. 100-1, n. 27), já que, mais afortunado que nós, teve em mãos o "importante manuscrito", graças "à generosidade e gentileza do Prof. Doutor Manuel Lopes de Almeida, seu actual proprietário" (ib., p. 101). Quanto ao Índice, assaltam-nos as mesmas dúvidas do Prof. A. L. Askins: "Were no anonymous pieces in the cancioneiro, or were all specifically identified by author as the Index would imply? Were the texts in the cancioneiro separated out by author as they appear in the Index, or is this structure the work of the seventeenth-century compiler? Does the order of the texts in the Index under each author's name reflect a whim of its compiler or does it represent to some extent that of the appearance  of the texts in the original volume?" [77] (CrB, p. 134, n. 10).

 



* Cf. BERARDINELLI, Cleonice Serôa da Motta (ed.) Sonetos de Camões: corpus dos sonetos camonianos. Lisbonne-Paris / Rio de Janeiro: Centre Culturel Portugais / Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980, p. 13-50 (CB). A "Introdução" aos sonetos reunidos nesta edição, aqui transcrita, era precedida por uma "Apresentação", que se resume a seguir: "Foi sem um critério preestabelecido que começamos a pesquisar o que se tem escrito de mais importante sobre a lírica camoniana e, sobretudo, os sonetos.  Compulsamos além disso todas as edições que pudemos encontrar e ainda uma grande quantidade de manuscritos em microfilmes, cópias xerox e edições diplomáticas ou críticas, e, à medida que o campo se alargava, mais se firmava a idéia das dificuldades a enfrentar para chegar aos textos e da necessidade de torná-los acessíveis a um maior número de leitores interessados.  Começou a esboçar-se o desejo de dar à nossa edição a maior amplitude possível e decidimos, afinal, como o anônimo organizador da edição de 1852, reproduzir 'todas as [peças] que, nas outras edições, se encontram atribuídas ao Poeta, para que o Leitor as possa por si mesmo avaliar', com algumas diferenças, porém: demos ao leitor todas as informações que pudemos reunir: edição de origem, principais edições em que se encontram, manuscritos onde vêm atribuídos ou não ao Poeta e discussão sobre autoria. Optamos, pois, pelo artigo definido e damos os sonetos alguma vez atribuídos a Camões.  Pelas notas mais ou menos abundantes o leitor julgará da sua autenticidade.  As conclusões, porém, não serão definitivas, pois haverá sempre a possibilidade de encontrar-se um manuscrito que torne mais certa uma autoria duvidosa ou ponha em risco uma outra que se julgava inamovível." O leitor da presente edição não poderá ter acesso aos sonetos nem às notas que lhes foram apostas, mas disporá de fartas informações sobre as sucessivas edições das Rimas, através de três séculos, e sobre os critérios  dos seus vários editores.

[1] Só teceremos comentários às edições que acrescentaram sonetos ao acervo camoniano e às três edições do século XX:  Rodrigues e Vieira, Hernâni Cidade e Costa Pimpão. Eventualmente faremos referências a algumas outras.

[2] Se considerarmos a possibilidade de ser camoniano o soneto "Ditosa pena, ditosa mão que a guia", teremos dois sonetos nessas condições sendo este anterior àquele, pois que terá sido publicado "pelos anos de 1572" (cf. son. 238, n. 1).

[3] A numeração vai até LXVI, mas salta o no LII.

[4] Já na primeira edição, no Prólogo, se diz deste soneto "que despois do [sic] impresso se soube que não era seu" [de Camões].

[5] A edição de As Rimas de Camões, deste autor, é póstuma

[6] Daqui em diante, para facilitar a leitura das citações, passamos a utilizar as siglas atrás consignadas.

[7] São os sonetos FS III-13 / AC [e], FS III-14 / AC [h] e FS III-21 / AC 34.

[8] É o soneto FS III-60 / AC 20.

[9] No tocante aos sonetos, estava realmente pronta; Faria, no entanto, não chegou a preparar a edição das redondilhas e de oito éclogas.

[10] "64 sonetos":  possivelmente gralha tipográfica.  Faria talvez tivesse escrito 46, pois que na Centúria 3, depois dos primeiros 46, junta os restantes 18 sob o título "Adição", explicando:  "Despues de ordenados por números los 46 Sonetos antecedentes, he hallado otros que pondré aqui sin orden [...]" (FS, p. 351).

[11] Faria não teve conhecimento do soneto "Doce contentamento já passado", que não figura em sua edição.

[12] É curioso verificar como se agrupam os sonetos de DF2 em FS II:  12, de FS II-33 a 44; 4, de FS II-48 a 51; 2, FS II-72 e 73;  3, de FS II-83 a 85;  2, FS II-89 e 90;  8, de FS II-93 a 100, e apenas um isolado:  FS II-67.

[13] Além dos sonetos publicados em edições da lírica camoniana, surgiram também, em 1880, num opúsculo de A.F. Barata, 2 sonetos inéditos que ele atribuía a Camões.  Em 1887, o bibliófilo e bibliógrafo Aníbal Fernandes Tomás adquire um cancioneiro do século XVII (que terá seu nome), no qual encontra 16 sonetos inéditos atribuídos a Camões pelo copista;  estes serão publicados:  1, em 1893, pelo próprio Fernandes Tomás;  1, em 1900, por D. Carolina Michaëlis;  2, em 1907, e 12, em 1911, por Teófilo Braga.  Em 1916, João Grave, em artigo publicado no Boletim da 2a Classe da Academia das Ciências de Lisboa, publicou  1 soneto encontrado no manuscrito da Década VIII de Diogo do Couto.  Em 1968, na sua edição The Cancionero "Manuel de Faria", Edward Glaser imprimiu 1 soneto atribuído a Camões;  em 1971, António Cirurgião publicou, na Revista Ocidente, 1 soneto satírico que encontrou num manuscrito do século XVII, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

[14] Obedecemos, na transcrição dos textos de Estêvão Lopes e Soropita, aos mesmos critérios usados na transcrição dos sonetos;  assim procederemos nas citações dos editores seguintes;  nos do século XX, atualizamos a grafia.  Os grifos neles encontrados são de nossa responsabilidade.

[15] Este texto foi extraído do Prefácio de Jorge de Sena à edição fac-similada, comemorativa do IV Centenário da publicação de Os Lusíadas, das Rimas Várias de Luís de Camões comentadas por Manuel de Faria e Sousa, (FS) p.[17].  Para ele chamamos a atenção do nosso leitor, por se tratar de um excelente estudo em que o autor, que em obras anteriores fazia bastantes restrições ao editor seiscentista, assume uma posição de judiciosa e mesmo entusiástica valorização do ilustre polígrafo.

[16] Nem sempre Faria acertava na escolha, como podemos ver, por exemplo, nos nossos sonetos 80 "Como quando do mar tempestuoso" e 89 "No mundo quis um tempo que s'achasse" (a esses sonetos apusemos notas que se podem ver em CB).

[17] Cf. CP, p. XLIV e RV, p. XII.

[18] Na versão original desta Introdução, dizia-se que a argumentação não se estendia mais porque viria fragmentada nas notas aos Sonetos.

[19] FS, p. [18].

[20] São os seus sonetos que têm os números 171 e 267, 148 e 270, 260 e 299, 152 e 300, 106 e 301.

[21] Juromenha poderia ter recorrido à posição dos poemas no Cancioneiro de Luís Franco para dar maior ou menor credibilidade à autoria atribuída pela letra da margem, mas não o fez.  Nós tentamos fazê-lo em notas, seguindo as pesquisas de Dinah Moraes Nunes Rodrigues (DNR, p. 83).

[22] Este manuscrito, desaparecido da Academia das Ciências algum tempo depois de tê-lo Braga compulsado, está hoje na biblioteca da Hispanic Society of America e dele fez uma séria edição crítica o Prof. Arthur Lee-Francis Askins : HISPANO-PORTUGUESE (The) "Cancionero" of the Hispanic Society of America. Edition and notes by Arthur Lee-Francis Askins. Chapel Hill: University of North Carolina - Department of Romance Languages, 1974.

[23] Em Camões e o Sentimento Nacional, p. 158 e 187-188;  cf. também HPC, p. 17.

[24] RV, p. XII.  Trata-se da tese dos amores do Poeta por Natércia, nome que aparece em um soneto de 1598, também encontrado em LF e CrB (nosso 70, "Na metade do ceo subido ardia") e em outros quatro, três dos quais (nossos 225, "Rebuelvo en la incessable fantasía", 227, "En una selva, al despuntar del día",e 229, "Se da célebre Laura a fermosura") começam em FS;  o outro (nosso  216, "Na margem de um ribeiro que fendia") anda nas obras de Diogo Bernardes onde os nomes dos personagens são Délio e Marília, que Faria teria substituído por Liso e Natércia.

[25] Rodrigues e Vieira dizem que nunca antes se tentou um tipo semelhante de reagrupamento dos poemas, esquecendo o que Faria realizou, ordenando-os "por materias".

[26] A edição RV traz o soneto que seria o 198, em Addenda, à p. LXIV;  repete o mesmo soneto nos nos 108 e 170;  além disso, os sonetos 18 e 150 são variantes, respectivamente, dos nos 13 e 149 (cf. CP, p. XVIII).

[27] São os sonetos DF2 23, 34, 35 e 36;  AC, 1a série, 1, 2, 7, 26, 34, 35 e 42;  2a série, [b] e [d]; 3a série, 2', 11', 19', 37', 39' e 40';  FS, 2a centúria, 3, 69, 75, 77, 92;  3a centúria, 1, 6, 16, 19, 23, 26, 27, 34, 35, 37-42, 45, 46, 49, 50, 51, 53, 54, 59, 61 e 64.

[28] BERNARDES, Diogo. Rimas varias / Flores do Lima. Em Lisboa: Impresso por Manoel de Lyra, Anno M.D.XCVII, fo. 13. (DB)

[29] Sobre estes sonetos falamos adiante mais detidamente.

[30] São os sonetos AC 1, 2, 13, 35 e [b];  AC 25.  Há um soneto de Rh que falta em HC:  é o no 42,  o que se deve certamente a um lapso.

[31] O leitor deste texto, no entanto, não as encontrará aqui.

[32] "os ritmos camonianos, as imagens, os temas, os modos de pensar do poeta, a tonalidade de suas alegrias e penas, seu léxico enfim, seu léxico sobretudo." 

[33] "conclusões, apoiadas em irrefutáveis estatísticas, recortariam as nossas, atingidas

empiricamente, e forçadamente maculadas de subjetividade." (ib.)

[34] "De fato, é o movimento geral do soneto que nos fornecerá uma presunção determinante de autenticidade."

[35] "Embora nossa conclusão em favor da autenticidade deste soneto seja fundada sobre vários dados subjetivos, [...] as outras provas vêm corroborar esta impressão [...]

[36] "[...] numerosas são as variantes que constituem uma espécie de camonização do soneto - e, dissemo-lo, é por aí que Faria e Sousa trai sua intervenção."

[37] É curioso ver que Roger Bismut diz isso mesmo, a propósito da Elegia no 6 de FS, que Afrânio Peixoto julgava camoniana por ter grande parentesco com Os Lusíadas (LC, p. 10). Nas nossas notas aos sonetos registramos muitas outras observações aos critérios de R. Bismut.

[38] O restringir-se à utilização de uma só fonte torna-lhe às vezes as conclusões menos aceitáveis, como se pode exemplificar na atribuição, por Naïque-Dessai, de um ponto negativo ao soneto 124 de HC, por ter ele rimas esdrúxulas nos tercetos.  Tais rimas, na verdade, só aparecem em HC, que segue a versão de LF (onde os tercetos são bem diferentes), enquanto todas as outras edições seguem DF2.  Lemos este estudo em tradução de Christa Siebert, feita para nós a pedido da Casa de Rui Barbosa.

[39] Jorge de Sena não refere este soneto por estar fora do corpus por ele utilizado;  o autor, porém, assinala o fato de Bernardes (a quem PPR atribui o soneto) só usar o esquema cde dec uma vez.

[40] Em O Parnaso de Camões, Fonte d' "Os Lusíadas", citado por E. Naïque-Dessai. Este ensaio está em PEIXOTO, Afrânio. Ensaios camonianos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1932, p. 143-71.

[41] Roger Bismut tem todo um capítulo sobre "Mecanismos da auto-imitação na obra camoniana" (LC, p. 189-230).

[42] Mais uma vez lembro que este nosso texto era vinculado à edição dos Sonetos de Camões.

[43] Todas as informações aqui veiculadas são tomadas desta edição.

[44] O manuscrito está agora na Biblioteca Rodríguez-Moñino, sob a cota E-40-6767.

[45] Sobre Antonio Álvarez Cano, cf. Askins, CrB, p. 9-10.

[46] Cf. CrB, p. 12 e 34.

[47] Cf. CrB, p. 13.

[48] Os Cadernos de Luís Franco Correa (v. Bibliografia), dissertação de mestrado por nós orientada e apresentada ao Departamento de Letras da PUC/RJ.

[49] Cf. LF, fo. 287 e DNR, p. 51.

[50] Data em que o manuscrito foi adquirido pela Biblioteca Nacional de Lisboa (v. DNR, p. 309).

[51] Na citação das fontes dos sonetos, que vem abaixo de cada um (em CB), não levamos em consideração a atribuição da margem.

[52] Destas 29 peças, uma (fo. 152 r.) não atribuída a Camões é a glosa sobre o soneto "Todo o animal da calma repousava", a qual não deve ser do Poeta.

[53] Tendo sido póstuma, a edição foi preparada por Edwaldo Cafezeiro e Ronaldo Menegaz, que a dividiram em duas partes, contendo a primeira o fac-símile do manuscrito e sua lição diplomática, e a segunda, os estudos de E. Pereira Filho, cuja redação lhes pareceu definitiva e ainda tudo que lhes pareceu primeiras redações de artigos, estudos não revistos pelo autor e notas esparsas (RC, p. 13)

[54] Temos em mão a cópia xerográfica do códice, obtida por intermédio do Prof. Celso Cunha.

[55] Só uma elegia de Diogo Bernardes (fos. 47-51) tem o nome do autor.

[56] Na edição está aparto.

[57] Obtivemos o microfilme pelos bons serviços do Professor Celso Cunha, que o conseguiu por intermédio do Professor Manuel Alvar.

[58] A autora continua a pôr um número abaixo nos fólios seguintes:  "Fol.  5. Soneto", quando é 6;  "Fol. 6.  Soneto de Cam.  'Estase a primavera tresladando'" , que é 7;  "Fol.  7.  Soneto de Cam.  'Quem pode livre ser gentil señora'", que é 8;  pula o 8, que diz  não existir, e retoma o 9, acertando o passo com o códice.

[59] O Índice é muito incompleto.  Seu autor reservou uma página para cada letra, de A a Z, excluídos o K e o X, e devendo valer o I e o V como vogal e consoante.  Nas letras  R, T, V e Z são copiadas trovas e quintilhas de Camões.

[60] O total das outras composições atribuídas a Camões no códice é de 16, havendo ainda 3 (2 de Rh e 1 de DF2) que vêm anônimas.

[61] Damos alguns exemplos:  no fo. 11, v. 6, está nos, em vez de vos;  no fo. 14, v. 7, corte por morte;  no fo. 19, v. 11, fama vem por fama vã;  no fo. 111 v, senão for por senão se for;  no fo. 138 v, desejo por engenho; no fo. 170, sem por seu, etc.

[62] Cf. adiante o que dizemos do estudo de Carolina Michaëlis sobre o Cancioneiro de Fernandes Tomás.

[63] " 'Mitteilungen aus spanischen Handschriften Oxford All Souls' Coll.  N.o 189".  ZRPh, III, 80-90.

[64] Consultamos também o microfilme que nos cedeu a Fundação Casa de Rui Barbosa.  Neste pudemos verificar o que informa Askins sobre os fatos de haver duas numerações (a segunda das quais bem moderna), de haver uma página 127 e uma 127bis e de faltarem páginas no último caderno do códice.  Informa ainda Askins que, dadas essas falhas, decidiu renumerar os fólios que citamos segundo ele.

[65] Cf. Év., p. 3-4.

[66] CM, p. 5 ss.

[67] BARATA, Antonio Francisco.  Cancioneiro Geral [...]. Évora: 1902, p. VI ss.

[68] Estes três sonetos são atribuídos a Camões em PPR;  o primeiro e o terceiro o são também em M.

[69] Juromenha diz tê-lo encontrado no MS. Jur.

[70] Lemos este artigo em tradução de Paulo Rónai, feita para nós a pedido da Fundação Casa de Rui Barbosa.

[71] "Recensionen und Anzeigen", IV:  Varianten aus Ms. Juromenha.

[72] Cirurgião engana-se ao dizer que RV excluiu os cinco, tendo HC retomado um.

[73] O título vinha na lombada da encadernação em pergaminho que o códice trazia.

[74] Estudos Camonianos I:  O Cancioneiro Fernandes Tomás.  Índices, nótulas e textos inéditos.  Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.

[75] Na lista dos sonetos "entremetidos em edições camonianas" (CFT, p. 126), Carolina Michaëlis esquece este soneto.  São muito numerosos, aliás, os lapsos de D. Carolina (entre eles, 16 indicações erradas de fólios, 15 alterações de texto que implicam modificação de sentido etc.) explicáveis por ter feito grande parte do estudo sem ter o texto em mãos.

[76] Carolina Michaëlis anota o fato de haver 64 incipit na lista, mas um deles vir repetido.  São, pois, 63.

[77] "Não havia peças anônimas no cancioneiro, ou foram todas especificamente identificadas pelo autor como o Índice implicaria? Eram os textos separados no cancioneiro por autor, como aparecem no Índice, ou esta estrutura é o trabalho do compilador do século XVII? A ordem por autor dos textos no Índice reflete um capricho de seu compilador, ou representa, até certo ponto, a do aparecimento dos textos no volume original?"

a a fantasia (Oit. I, vv. 181 e 209).