Os termos relativos ao vestuário nos autos de Gil Vicente fornecem informações importantes para saber-se como se vestiam seus contemporâneos. Embora relevante, essa possibilidade não esgota outras para as quais a análise dos dados aponta, como, por exemplo, o conhecimento do contexto social da época e a função que os termos têm no conjunto dos autos, como instrumento a serviço da crítica de costumes, revelador da posição daquele que “fazia os autos a el-rei” em face da cultura do seu tempo. Foram considerados como referentes ao vestuário os nomes das vestes e suas partes, tecidos e material de confecção, adornos, profissionais e seus respectivos ofícios, verbos designativos das várias fases e modalidades de execução de materiais e de roupas e, também, termos relativos à aparência em geral.
O estudo divide-se em duas partes. Na primeira, faz-se uma análise em bloco de todos os vocábulos, com o intuito de: 1. caracterizar o modo de vestir quinhentista, estabelecendo, sobretudo, pontos de contacto com a Idade Média e 2. detectar o relacionamento entre o traje e os grupos sociais da época. Na segunda parte, listaremos os vocábulos, informando e precisando seu significado, com especial atenção às mudanças e matizes semânticos. O conjunto é constituído de cerca de cento e oitenta termos diferentes, com várias ocorrências de cada um. Muitos já não se usam. Dos que persistem na língua, alguns estão relacionados a outros referentes. É o caso, por exemplo, de “calças”, na época semelhantes às atuais meias compridas femininas. Eram ajustadas às pernas, cosidas uma à outra na altura dos quadris ou separadas. Prendiam-se à cintura com cordões ou alfinetes ou, quando terminavam abaixo do joelho, por ligas. Com isso, julgamos estar colaborando com os interessados no esclarecimento do sentido dos vocábulos do campo semântico do vestuário e fornecendo, também, indicadores para o valor dado à aparência pela sociedade portuguesa do início dos quinhentos. Em outro trabalho, em fase de revisão, trataremos da função do vestuário na crítica vicentina.
Não se pode negar, como demonstrou Révah[1],a intervenção do filho e editor Luís Vicente nos textos dos autos, modernizando ou alterando formas, substituindo versos, mutilando estrofes e destruindo a regularidade dos seus esquemas, quando não mudando datas e indicações históricas. Embora o levantamento dessas divergências seja importante para uma edição crítica, reitero que não interferem no âmbito do nosso trabalho.
Por motivos operacionais, o texto básico de que nos servimos foi o da edição de Maria Leonor Carvalhão Buescu[2], endossando suas palavras: